MEDICAMENTOS

Saúde

Uso de sertralina e pregabalina pode gerar confusão mental?

Não há menção nas bulas a interações específicas entre as duas drogas

O ex-presidente Jair Bolsonaro afirmou no último sábado, dia 23, durante audiência de custódia, que tentou romper a tornozeleira eletrônica após apresentar episódios de alucinação e “paranoia”. Ele atribuiu o comportamento ao uso simultâneo de pregabalina e sertralina, medicamentos prescritos para tratar transtornos ansiosos e depressivos.

Embora a combinação seja comum em tratamentos psiquiátricos, as bulas classificam como raros os efeitos graves. Tanto a sertralina quanto a pregabalina podem provocar sonolência, tontura, agitação e queda de atenção — especialmente nas primeiras semanas.

Quadros perceptivos mais intensos, como alucinações ou despersonalização, aparecem como eventualidade incomum, ocorrendo em cerca de 0,1% a 1% dos pacientes. Não há menção nas bulas a interações específicas entre as duas drogas.

Relatório médico aponta uso de outros remédios

Um relatório divulgado pela equipe médica de Bolsonaro detalhou que ele também faz uso de clorpromazina e gabapentina, indicados para controlar crises de soluços. A combinação desses medicamentos com a pregabalina é conhecida por aumentar o risco de efeitos neurológicos, como confusão mental, desorientação, sedação, perda de equilíbrio, alterações cognitivas e, em casos raros, alucinações.

A ata da audiência indica que Bolsonaro afirmou ter tido sono fragmentado, sensação de perseguição e comportamento impulsivo. Ele relatou ter manipulado a tornozeleira com um ferro de solda durante a madrugada, negando intenção de fuga. Segundo ele, os sintomas apareceram poucos dias após o início do novo esquema medicamentoso.

Pregabalina: como age e possíveis reações

A pregabalina reduz a excitabilidade dos neurônios e é usada para dor neuropática, fibromialgia, ansiedade generalizada e epilepsia. Entre os efeitos comuns estão irritabilidade, dificuldade de concentração, visão dupla, sonolência e alterações de apetite.

Entre os efeitos raros: alucinações, distanciamento da realidade, mudanças bruscas de humor, desmaios, piora visual e arritmias.

Sertralina: para que serve e efeitos relatados

A sertralina é um antidepressivo da classe dos ISRS, indicado para depressão, ansiedade, pânico, TOC e TEPT. Costuma causar náusea, diarreia, tremores, insônia ou sonolência e fadiga. Entre as reações incomuns estão hipomania, sangramentos anormais e alterações hepáticas.

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Saúde

“Smart drugs”: medicamentos prometem mais performance, mas a que custo?

Uso de remédios para foco e concentração cresce entre alunos e profissionais; especialistas alertam para efeitos colaterais, risco de dependência e desigualdade de acesso

Por Marília Marasciulo, da Agência Einstein

A promessa de um comprimido capaz de aumentar foco, concentração e memória parece sedutora em uma sociedade cada vez mais competitiva. Não por acaso, as chamadas smart drugs têm se popularizado — e despertado preocupação na comunidade científica.

São medicamentos já conhecidos para o tratamento de distúrbios como o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e narcolepsia, mas usados sem indicação médica por quem acredita precisar de um estímulo extra no dia a dia. Entre esses fármacos estão o metilfenidato, vendido como Ritalina e Concerta; lisdexanfetamina, conhecida como Venvanse; ou a modafinila, comercializada como Provigil.

Também entram nesse universo antidepressivos e ansiolíticos, nootrópicos clássicos — usados para distúrbios cognitivos ligados ao envelhecimento, demências e sequelas de AVC — e suplementos conhecidos como nutracêuticos, como cafeína, ginseng e creatina.

Um levantamento conduzido pela Universidade de Exeter durante a pandemia de Covid-19 e publicado na revista Frontiers in Psychology acompanhou 736 estudantes e funcionários de universidades no Reino Unido. O estudo revelou um crescimento de 42% no uso de modafinila e de 30% no consumo de nutracêuticos em altas doses. “Do ponto de vista clínico, esses medicamentos podem até trazer alguns efeitos positivos, mas é importante colocar isso em perspectiva”, afirma o psiquiatra Luiz Zoldan, gerente médico do Espaço Einstein de Saúde Mental e Bem-estar, do Einstein Hospital Israelita. “Em pessoas saudáveis, os efeitos costumam ser pequenos, passageiros e muito longe da ideia de um ‘remédio que aumenta a inteligência’.”

A neurocientista Barbara Sahakian, professora de neuropsicologia clínica na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, chega a conclusões semelhantes em seus estudos. Ela atuou em ensaios que mostraram que a modafinila pode melhorar a flexibilidade cognitiva, reduzir a impulsividade e aumentar o prazer na realização de tarefas. “Como tantas pessoas estão usando drogas como metilfenidato e modafinila, é importante saber se elas são seguras e eficazes a longo prazo”, afirma. No entanto, o que as pesquisas concluíram é que os ganhos são modestos e que mais investigações são necessárias. “

Ritmo acelerado

A busca por substâncias capazes de alterar o funcionamento da mente acompanha a humanidade há milênios. Povos de diferentes culturas usaram plantas e compostos em rituais religiosos, práticas espirituais ou para aumentar a resistência em condições adversas. Um exemplo citado em editorial da revista eClinicalMedicine, da The Lancet, foi a descoberta da cova de um xamã nos Andes, de mil anos atrás, enterrado com plantas psicoativas como coca e alucinógenos.

“O conjunto, projetado para o consumo de drogas que alteram a mente, é sinal não apenas do intrincado conhecimento botânico das práticas rituais pré-colombianas, mas também da natureza antiga e transcultural da vontade humana de levar o cérebro além de seus limites”, escrevem os editorialistas.

O século 20 marcou a virada para substâncias sintéticas com propósitos médicos específicos. O metilfenidato surgiu nos anos 1950 para tratar sintomas de TDAH; a modafinila foi aprovada nos anos 1990 contra narcolepsia; e a lisdexanfetamina tornou-se opção para TDAH e compulsão alimentar. “São medicamentos de prescrição que acabam sendo usados fora da indicação médica, geralmente por estudantes em época de provas, profissionais em ambientes de alta competitividade e, mais recentemente, até por gamers ou influenciadores digitais”, diz Zoldan.

De acordo com o NHS, o sistema de saúde pública britânico, entre 2021 e 2023 a prescrição de estimulantes do sistema nervoso central para o tratamento do TDAH aumentou 32% em adultos e 12% em crianças. Foi a primeira vez, desde o início dos registros em 2015, que mais adultos do que crianças receberam essas prescrições.

No Brasil, uma pesquisa de 2019 feita com universitários mostrou que 5,8% relataram uso de metilfenidato para “melhora cognitiva” e que 41% usaram o medicamento nas quatro semanas anteriores ao estudo. Esses números, somados ao crescimento observado no Reino Unido durante a pandemia de Covid-19, apontam para um comportamento que tende a se intensificar diante das transformações sociais recentes. “Numa sociedade global em que a competição por empregos atrativos é intensa e estressante, e com a inteligência artificial assumindo algumas funções, é provável que o uso de drogas para aprimoramento cognitivo aumente em um ritmo ainda mais acelerado no futuro”, avalia Sahakian.

Mais desempenho ou mais tolerância?

Na prática, o uso de smart drugs em pessoas saudáveis revela um descompasso: enquanto muitos relatam se sentir mais focados e produtivos, os resultados objetivos mostram ganhos pequenos ou inexistentes. Um estudo da Universidade de Melbourne, na Austrália, publicado em 2023, avaliou o desempenho em tarefas complexas e concluiu que, embora essas substâncias aumentem o esforço cognitivo — como o tempo gasto e o número de movimentos —, elas reduzem a qualidade desse esforço.

“Quando os pesquisadores perguntaram como tinha sido a semana com o uso das medicações, mesmo quando era placebo, a pessoa se sentia melhor. Em parte, porque tanto o placebo quanto essas drogas estimulam a dopamina no cérebro, já que influenciam a expectativa sobre o desempenho”, explica o neurologista Fabiano Moulin de Moraes, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Segundo ele, a dopamina melhora o engajamento nas atividades, mas não a atenção em si. “Na verdade, a pessoa não fica mais atenta, ela tolera ficar mais tempo naquilo que está fazendo. E, no fim, o desempenho tende a ser igual ao de quando não tomava. Mas, por se sentir mais engajada, acha que valeu a pena”, completa Moulin.

O uso sem indicação médica também traz efeitos colaterais. De acordo com o psiquiatra do Einstein, no curto prazo são comuns insônia, ansiedade, agitação, palpitações, aumento da pressão arterial e até arritmias em casos mais graves. Pode haver ainda perda de apetite — preocupante em adolescentes e jovens —, alterações de humor e, em situações extremas, episódios de paranoia ou sintomas psicóticos transitórios.

Em longo prazo, o uso contínuo pode gerar dependência, necessidade de doses maiores e problemas como prejuízo crônico do sono, desgaste emocional, piora de quadros de ansiedade e depressão, além de impacto cardiovascular em pessoas predispostas. “No fim, o que preocupa é que, em vez de realmente melhorar o desempenho, esse uso pode criar um ciclo de falsa produtividade: a pessoa acredita que está funcionando melhor, mas acaba sacrificando saúde mental, sono e equilíbrio do corpo”, conclui Zoldan.

Questão social

O uso de substâncias para melhorar a performance acadêmica e profissional levanta dilemas que vão além da saúde individual. Especialistas chamam atenção para questões de mérito, acesso desigual e até paralelos com o doping esportivo. “A sociedade e os governos precisam considerar quem teria acesso às drogas para aprimoramento cognitivo”, destaca Sahakian. “Por exemplo, elas seriam permitidas em situações competitivas, como exames universitários, em que alguns estudantes podem considerar esse uso uma trapaça?”

Ela ressalta ainda a necessidade de restringir o consumo em crianças e adolescentes sem diagnóstico, já que, nessas fases, o cérebro ainda está em desenvolvimento, e de avaliar o uso por profissionais que trabalham em turnos ou atividades em que pequenos erros podem gerar grandes consequências.

As pressões de um contexto competitivo alimentam também um paradoxo. Sahakian conta que, embora muitos universitários tenham relatado não querer usar essas substâncias, eles também temem ficar para trás caso não façam o mesmo que seus colegas. Para o professor da Unifesp, isso reflete um problema maior. “A gente vive em uma sociedade cujo objetivo final é a produtividade. E eu não sei se as instituições vão fazer alguma coisa a respeito porque acho que, inclusive, elas são as que mais ganham. Por isso, fingem que não veem essa epidemia de uso de estimulantes”, afirma.

Segundo ele, seria preciso resgatar prioridades, valorizando a motivação intrínseca e formas consistentes de engajamento, como terapia, atividade física, sono adequado e até a espiritualidade. “Coisas que realmente engrandecem, mas que a gente acaba fugindo e preferindo atalhos que não são sustentáveis a médio e longo prazo”, diz Fabiano Moulin.

Essa lógica se conecta a uma reflexão mais ampla sobre a cultura contemporânea da performance. Zoldan lembra o conceito de “sociedade do cansaço”, do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, para explicar como a autocobrança permanente se tornou marca do nosso tempo. “Nesse cenário, as smart drugs aparecem como uma falsa solução para prolongar a energia e atender a essa autossuficiência imposta pela cultura do desempenho”, diz o psiquiatra. O risco, segundo ele, é aprofundar o problema em vez de aliviar.

Muitos casos de abuso podem inclusive ser confundidos com burnout, já que os sintomas — esgotamento, ansiedade, insônia e queda de rendimento — se sobrepõem. “O que está por trás, muitas vezes, não é só a pressão do ambiente, mas o abuso de medicamentos usados como atalhos para lidar com essa pressão. Isso gera uma deterioração silenciosa da saúde mental, que pode demorar a ser identificada e tratada corretamente”, alerta o médico do Einstein.

Desigualdade e regulação

O futuro desse debate depende da produção de evidências científicas mais consistentes. “Se for comprovado que essas substâncias são seguras e eficazes a longo prazo, seria muito melhor que uma pessoa saudável consultasse um médico para verificar se não há contraindicação e, então, pudesse adquiri-las em uma farmácia. Seria mais seguro do que comprar pela internet ou pedir a um amigo com TDAH para repassar seus medicamentos prescritos”, ressalta a pesquisadora de Cambridge.

Um dos pontos centrais é a dificuldade em traçar a linha entre restauração e aprimoramento cognitivo — questão que se desdobra na regulação. O desempenho mental atinge o auge na faixa etária dos 20 aos 30 anos e, a partir daí, tende a declinar. Nesse contexto, o uso de medicamentos pode ser interpretado tanto como a recuperação de uma função perdida quanto como um ganho artificial. A mesma ambiguidade aparece em situações como jet lag ou trabalho em turnos noturnos.

A classificação, nesse caso, varia conforme o contexto clínico e as normas regulatórias de cada país. Nos Estados Unidos, a Food and Drug Administration (FDA) já aprovou o uso da modafinila para tratar o Transtorno do Sono no Trabalho em Turnos, depois de demonstrado que a droga reduz acidentes e quase acidentes em profissionais expostos. No Reino Unido, por outro lado, não existe essa indicação formal. “Essa situação demonstra a dificuldade, em algumas circunstâncias, de determinar o que é restauração da função cognitiva e o que é aprimoramento”, completa Sahakian.

Enquanto essas discussões não avançam, a ausência de regras específicas favorece desigualdades: quem tem recursos consegue acesso; quem não tem, fica para trás. Diante dessa contradição, especialistas concordam que os métodos já conhecidos para fortalecer o cérebro continuam sendo as alternativas mais seguras.

Sono adequado, exercício físico, alimentação equilibrada e estratégias de manejo do estresse não apenas favorecem o desempenho cognitivo, mas também protegem a saúde no longo prazo. “Se quisermos realmente melhorar a performance, precisamos priorizar hábitos que sustentem o cérebro em vez de depender de atalhos que podem custar caro para a saúde”, conclui Luiz Zoldan.

Fonte: Agência Einstein

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Saúde

Saiba como usar novo medicamento para adultos com HIV multirresistente a antirretrovirais

Eficácia do fostensavir 600 mg foi observada em estudos clínicos. Avaliação e liberação para o uso do medicamento será realizada de forma centralizada pela pasta

Departamento de HIV, Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis (Dathi) publicou nota técnica com os critérios clínicos para o uso do medicamento fostensavir 600 mg no tratamento de adultos vivendo com HIV multirresistente a antirretrovirais.

O medicamento foi incorporado ao Sistema Único de Saúde (SUS) em abril de 2024 e é o primeiro medicamento da classe de inibidores de ligação aprovado no mundo. Ele atua impedindo a entrada do vírus HIV nas células.

O coordenador-geral de Vigilância de HIV e Aids (CGHA), Artur Kalichman, esclarece que a avaliação e liberação para o uso do fostensavir 600 mg será realizada de forma centralizada pela CGHA, com o apoio técnico de um grupo de especialistas no manejo da multirresistência viral. “A CGHA avaliará de forma individual e centralizada as solicitações do medicamento e todos os casos de pessoas que vivem com HIV ou aids que façam o uso serão monitorados”, explica.

Para Artur Kalichman, a priorização de populações com multirresistência e maior mortalidade demonstra o compromisso do Ministério da Saúde com a qualidade de vida e com o fortalecimento da resposta nacional à aids.

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Saúde

ExpoCannabis mostra potencial de empregabilidade no mercado da planta

Capacidade de geração de vagas de trabalho na área passa de 320 mil

 

Capaz de gerar pelo menos 328 mil empregos no Brasil, o mercado da cannabis ainda aguarda regulamentação, estima a Kaya Mind, braço da companhia Kaya responsável pela produção de dados sólidos sobre a planta.

Apesar da dificuldade  para quantificar a contribuição do mercado de cannabis para o setor de trabalho no país, a importância da planta pode ser mais uma vez confirmada em visita à segunda edição da ExpoCannabis, que ocupa até este domingo (17) um dos pavilhões do São Paulo Expo, no distrito de Jabaquara, capital paulista.

Na entrada, após vencer uma longa fila, o visitante já percebe como é difícil escolher um ponto do salão para fixar o olhar. Em um arranjo um tanto simbólico, já que talvez esta seja a forma de convencer os mais resistentes a enxergar a planta além da atmosfera do divertimento, os primeiros stands são da cannabis medicinal.

Em Florianópolis, Pedro Sabaciauskis, que via a avó Edna piorar gradualmente com a doença de Parkinson, constatou a eficácia do óleo de cannabis na atenuação dos sintomas da doença neurodegenerativa, a segunda mais comum desse tipo em todo o mundo. Na época, foi somente a primeira vitória, pois era necessário importar o medicamento, que levava cerca de três meses para chegar, o que o levou a encomendar dez frascos de uma vez. Cada um custava R$ 1,8 mil e durava um mês.

E bastou uma dose para que o corpo de Edna deixasse de apresentar a rigidez própria do quadro que desenvolveu. Em 20 minutos, seu semblante mudou, assumindo a aparência de relaxamento perdida havia muito tempo por causa da doença. “A gente descobriu uma associação em Fortaleza, chamada Abracam [Associação Brasileira de Cannabis Medicinal], que vi pelas redes sociais. Entrei em contato e me mandaram um óleo. Fui a um médico aqui de São Paulo, ele me orientou, e a gente deu para a minha avó. Aí foi uma surpresa, porque a melhora veio no mesmo dia.”

“A gente já levou um susto aí, mas, depois de 15 dias, ela recuperou os movimentos de sentar, levantar sozinha, de ir até a cozinha, pegar um copo d’água, coisa que era inimaginável. E, em um mês, ela queria fazer a unha, voltou a viver”, lembrou Sabaciauskis, acrescentando que a avó voltou a ter condições de conviver com a família, em almoços e outras ocasiões.

A experiência deu origem à Associação Santa Cannabis, acolhe pessoas que procuram informações sobre os tratamentos com o óleo da cannabis ou que precisam do medicamento, incluindo os que têm baixa renda ou estiverem em contextos de vulnerabilidade social. “A preferência desse mercado tem que ser da classe social mais baixa, que foi sempre quem foi preso pela mesma matéria.” Para Sabaciauskis, as associações têm um papel muito maior do que somente fornecer remédio, que é o de defender o interesse nacional. “São as associações que têm aberto caminho para tornar possível a compra de estufas e outros elementos imprescindíveis.”

Outro eixo da associação catarinense é a pesquisa. A Santa Cannabis aproveita as autorizações que obteve para liberar estudos e, com essa estratégia, atualmente viabiliza 15 pesquisas, muitas das quais, sem tal respaldo, teriam que recorrer à Justiça para existir. Segundo Sabaciauskis, a associação da qual está à frente já tratou 6 mil pessoas, com 200 CIDs (Classificação Internacional de Doenças) diferentes.

Pedro Sabaciauskis enfatizou que abraçar essa causa requer coragem e, ao mesmo tempo, firmeza. “É um ato de coragem, mas também de disposição. Porque defender cannabis no Brasil, seja medicinal ou outra, é ato de coragem, pois tem muito preconceito, estigma. Se você depende de seu emprego, de sua família, não pode fazer, senão sofre pressão desses lugares. A associação, não, porque conseguiu juntar um time de pessoas dispostas a enfrentar isso e o fez baseada na Constituição Federal, pelo direito à saúde, que é universal, o direito de se reunir em associações para mudar leis com as quais não se concorda e o direito de fazer desobediência civil pacífica e controlada.”

A fórmula de Sabaciauskis ainda teve mais um componente essencial para a rede da associação crescer. “A gente percebeu que tinha muito mais medo do que deveria ter. Quando se começa a cuidar das pessoas, as pessoas vêm para a luta junto e encorajam a continuar. Como tinha muita gente a ser cuidada, doente, a gente começou a fazer o papel que era do governo.” Ele ressaltou que a Santa Cannabis gera empregos por causa da distribuição dos medicamentos, do atendimento aos pacientes, que abrange serviço social, do cultivo da planta e dos processos farmacêuticos envolvidos, que garantem qualidade.

Tecnologia

Outro segmento do mundo canábico que absorve profissionais é o da tecnologia da informação (TI). A Complysoft é uma startup (empresa emergente com modelo de negócio em desenvolvimento ou aprimoramento) especializada em ferramentas úteis para o mercado da cannabis medicinal.

Com sede em João Pessoa, a companhia oferece sistemas como o Comply Legacy, de gerenciamento de documentos e prescrições, unificando os registros de todas as fases do processo de produção e obtenção da cannabis. Por meio dele, é possível, por exemplo, armazenar e consultar testes laboratoriais para controle de qualidade. Outra opção são os sistemas que unificam os instrumentos ligados aos pacientes, como WhatsApp e e-mail.

Entre os clientes, estão associações canábicas, clínicas especializadas, importadoras e farmácias de manipulação. O profissional Mizael Mendonça Cabral conta que ele e seu parceiro de trabalho André Vasconcelos integravam o setor de TI da Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (Abrace Esperança). Lá, Cabral entendeu que poderia usar seu conhecimento para ajudar outras associações a aprimorar os atendimentos.

Um dos expositores do evento, ele disse que o ramo não é incipiente, já é um mercado de trabalho em expansão em países como o Uruguai, o primeiro a legalizar a maconha, e o Paraguai. “Receber o convite para participar da associação foi um chamado para mim. Sempre digo que é uma missão espiritual. A gente está devolvendo a planta à nossa nação, porque é uma planta de cura. Entrei em 2014, para ajudar essa associação, e entendo que é uma missão de vida”, confidencia o paraibano.

A história de Vasconcelos foi diferente. Ele morava na Califórnia quando recebeu a senha para ingressar no universo canábico. Antes de se tornar gerente de projetos na Complysoft, prestava assistência na área de TI. Quanto ao grau de dificuldade para recrutar profissionais da área, Vasconcelos disse que ainda há percalços, geralmente relacionados ao tabu e ao preconceito em relação à planta, gerados por desconhecimento fe suas propriedades e múltiplos usos. “Mas vejo isso como um obstáculo que não está longe de a gente vencer”, resumiu.

Central de empregos

Na sexta-feira, um dos stands mais badalados da ExpoCannabis foi o da Cannabis Empregos, pioneira no Brasil. O portal anuncia vagas de estágio, de trabalho temporário, para freelancers (autônomos), remotos, voluntariado e em regime presencial, de home office (trabalho a distância, em casa) e híbrido.

A empresa também oferece capacitação e mentoria para candidatos e empregadores, qualificando pessoas que desejam aprender sobre liderança no mercado canábico e a fazer networking (rede de contatos profissionais). Um dos aspectos importantes em qualquer segmento e que também é cobrado dos profissionais que atuam com a cannabis é o domínio de tendências e políticas públicas. A companhia, por isso, auxilia no desenho de planos de carreira.

 

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Saúde

Alergia grave: pesquisadores criam 1ª caneta de adrenalina brasileira

Estimativa é que a caneta chegue ao mercado custando cerca de R$ 400

Um grupo de pesquisadores brasileiros desenvolveu a primeira caneta de adrenalina autoinjetável do país. A medicação, quando disponibilizada nesse tipo de dispositivo, é aplicada pelo próprio paciente, em casos de reação alérgica grave e potencialmente fatal, quadro médico conhecido como anafilaxia.

De acordo com a Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai), a adrenalina figura atualmente como o único medicamento disponível no mercado capaz de tratar casos de anafilaxia. O modelo autoinjetável, entretanto, só pode ser adquirido no Brasil por importação, o que torna o custo extremamente elevado.

Rio de Janeiro 08/11/2024 - O pesquisador da Fiocruz e neurofisiologista Renato Rozental, fala sobre a primeira caneta de adrenalina autoinjetável desenvolvida por pesquisadores brasileiros. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
O pesquisador da Fiocruz e neurofisiologista Renato Rozental fala sobre a 1ª caneta de adrenalina autoinjetável desenvolvida por pesquisadores brasileiros. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

O médico Renato Rozental coordena a equipe responsável pela caneta nacional. Em entrevista à Agência Brasil, ele explicou que, apesar de ser o primeiro protótipo brasileiro, não se trata de uma “inovação radical”. “Você encontra essa caneta com facilidade na Europa, na América do Norte, na Ásia, na Oceania”.

“A grande pergunta é: por que demorou tanto tempo pra termos isso acontecendo no Brasil?”, questionou o pesquisador da Fiocruz.

Rozental lembrou que, desde 2018, com a quebra do monopólio, opções genéricas da caneta no mercado externo fizeram com que o preço do dispositivo caísse substancialmente. “Mas continuava exorbitante”.

“Pra quem tem seguro de saúde, caríssimo lá fora, o preço chega a US$ 100. Quem não tem seguro paga até US$ 700. No Brasil, pessoas que têm condições, por meio de processos de judicialização, conseguem importar, mas o preço ainda está nas alturas. Importar uma caneta por R$ 3 mil ou R$ 4 mil é algo fora da realidade brasileira.”

“A maior parte da população brasileira, não apenas via Sistema Único de Saúde (SUS) mas também na rede privada, não tem acesso. O que fizemos foi estruturar, observando canetas já existentes no mercado. O processo é muito rápido. Começamos a conversar no ano passado e já temos um protótipo funcional agora.”

Anvisa

Rozental ressaltou que, há poucos meses, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) fechou um acordo de bilateralidade com a agência norte-americana Food and Drug Administration (FDA). A proposta é agilizar a entrada, no Brasil, de medicamentos já aprovados nos Estados Unidos.

“A Anvisa teria acesso a esses resultados de forma direta, apesar de serem confidenciais. Isso facilitaria muito a aprovação de qualquer dispositivo no Brasil. É um processo que vamos discutir na semana que vem, em Salvador, onde teremos um representante da Anvisa que lida especificamente com isso”, disse, ao se referir ao debate agendado para a próxima sexta-feira (15) no Congresso Brasileiro de Alergia e Imunologia.

“Do nosso lado, teríamos condições de, em 11 meses, ter essa caneta de adrenalina pronta para distribuição no país. Mas vai depender dessa discussão na próxima semana, do reconhecimento e da liberação pela Anvisa. Não está nas nossas mãos.”

Anafilaxia

À Agência Brasil, o presidente da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai), Fábio Chigres, alertou para um “aumento exponencial” de alergias no Brasil – incluindo casos de anafilaxia.

“Há 30 anos, em hospitais públicos especializados no tratamento de alergia, referência para esses casos, a gente via oito ou dez casos por ano de crianças com alergia a leite de vaca. Hoje, vejo isso em uma semana”.

Brasília (DF) 08/11/2024 - Fábio Chigres, presidente da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai).
Fábio Chigres, presidente da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai). – Fábio Chigres/Divulgação

Segundo ele, os alimentos figuram, no país, como a principal causa de alergia entre crianças – sobretudo leite e ovo. “Não é lagosta ou algo que se come eventualmente”, destacou.

“E essa criança com alergia alimentar fica muito mais exposta na rua do que quando está dentro de casa. Com isso, a qualidade de vida de toda a família fica muito ruim. Eles vivem esperando uma reação grave. Temos casos de crianças que caminham pela sessão de laticínios do mercado e têm reação”.

Já entre adultos, a principal causa de alergia, de acordo com Chigres, são medicamentos – sobretudo analgésicos e anti-inflamatórios, remédios que sequer exigem pedido médico no ato da compra. Antibióticos também respondem por um número considerável de casos de alergia na população adulta, além de alimentos como crustáceos e mariscos.

“No caso específico da anafilaxia, trata-se de uma reação alérgica muito grave e que se desenvolve rapidamente”, disse. “Essa reação causa choque anafilático, uma queda de pressão abrupta e muito grande, que faz com que o sangue não circule pelo corpo e não chegue ao cérebro. O organismo libera uma substância chamada histamina, que causa uma reação generalizada e pode afetar pele e pulmão, além de causar broncoespasmo e edema de glote, fechando as vias aéreas superiores.”

“A adrenalina reverte todos esses sintomas. Se eu começo a ter uma reação dessa e aplico a adrenalina, no prazo de um a cinco minutos, reverto quase totalmente o quadro de anafilaxia – ou permito que essa pessoa vá ao hospital completar o tratamento”, destacou Chigres.

“Não é só sobre o acesso à adrenalina. Preciso de um dispositivo que facilite o uso. E a caneta brasileira pode ser aplicada, na parte lateral da coxa, por uma pessoa que não tem formação em saúde.”

Segundo Chigres, a estimativa é que a caneta de adrenalina autoinjetável desenvolvida por pesquisadores brasileiros chegue ao mercado nacional custando em torno de R$ 400.

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