AVC

Saúde

Mais de meio milhão de mortes por AVC podem ser associadas às temperaturas extremas

O número de pessoas que sofreram um AVC em 30 anos aumentou à medida que a população envelheceu; pesquisadores explicam que só o envelhecimento não explica o aumento de casos 

 

Fernanda Bassette, da Agência Einstein

Um estudo publicado na revista científica Neurology aponta que só em 2019 mais de meio milhão de pessoas morreram devido a um AVC (Acidente Vascular Cerebral) associado a temperaturas extremas – muito calor ou muito frio, sendo o excesso de calor o principal responsável. Os resultados são mais um alerta sobre os perigos das mudanças climáticas na saúde da população e reforçam a necessidade de ações para mitigar os riscos.

Para chegar aos resultados, os pesquisadores analisaram temperaturas e casos de AVC em 204 países entre 1990 e 2019. Eles observaram que o número de pessoas que sofreram um AVC nos 30 anos analisados aumentou à medida que a população envelheceu – o envelhecimento foi um fator-chave para o problema –, mas eles ressaltaram que o envelhecimento populacional não explica todo o aumento de casos: as “temperaturas não ideais”, muito quentes ou muito frias, fizeram a diferença. O estudo aponta que, em 2019, ocorreram 6,55 milhões de mortes devido ao AVC, segundo dados do Global Burden of Disease (GBD). Desse total, 521 mil mortes e 9,4 milhões de anos de vida ajustados por incapacidade são atribuíveis ao AVC devido à temperatura não ideal.

É importante destacar que as temperaturas mais altas já estão acontecendo e sendo percebidas dia após dia. O ano passado foi considerado o mais quente da história e espera-se que as temperaturas continuem alcançando níveis cada vez mais altos. Neste ano, por exemplo, o observatório europeu Copernicus anunciou que o mês de março foi o mais quente já registrado na Terra, com a temperatura 1,58 oC acima da média da era pré-industrial, no século 19.

“Os resultados desse estudo são extremamente importantes porque destacam a relação entre as condições climáticas extremas e a incidência de AVC, uma conexão não tão enfatizada na prática clínica. Isso traz uma nova perspectiva, que pode influenciar a prevenção e a preparação para períodos de temperaturas extremas, visando reduzir o risco desses eventos. Tais informações podem surpreender alguns profissionais, especialmente aqueles em regiões onde as mudanças climáticas têm sido menos perceptíveis”, avalia a neurologista Gisele Sampaio, do Hospital Israelita Albert Einstein.  

De acordo com a médica, as altas temperaturas podem dificultar a capacidade do corpo de regular a sua temperatura interna (que é em torno de 36 oC), levando à desidratação e ao aumento na viscosidade do sangue, o que pode aumentar o risco de formação de coágulos. Além disso, explica a neurologista, o estresse térmico pode ocasionar alterações hemodinâmicas e inflamatórias, aumentando ainda mais o risco de AVC. “Há ainda algumas pesquisas que apontam os efeitos diretos das altas temperaturas sobre a pressão arterial e a função cardiovascular, ambos fatores de risco de AVC”, diz.

O estudo atesta ainda que, nesse momento, as mortes por AVC associadas a temperaturas extremas estão desproporcionalmente concentradas em partes do mundo com níveis mais elevados de pessoas que vivem na pobreza e onde os sistemas de saúde são frágeis, como na África. O AVC é uma das principais causas de morte e de incapacidade no mundo e tem um impacto importante em países de baixa e média renda, onde os sistemas de saúde muitas vezes não estão equipados para prevenir, diagnosticar ou tratar eficazmente essa condição.

“As regiões com maior pobreza e sistemas de saúde frágeis sofrem particularmente com as consequências de temperaturas extremas, o que pode exacerbar ainda mais a incidência e a gravidade dos casos de AVC”, diz.

O trabalho aponta ainda que não é só o calor extremo que pode levar ao AVC, mas o frio extremo também. Segundo a médica do Einstein, isso acontece porque o frio leva ao aumento da pressão arterial e ao estreitamento dos vasos sanguíneos, além de induzir respostas inflamatórias que podem predispor a eventos cerebrovasculares. Além disso, o frio pode agravar condições cardíacas existentes, aumentando o risco de eventos cardíacos e vasculares cerebrais.

Esse não é o primeiro trabalho a apontar o impacto das temperaturas extremas na saúde cardiovascular. Outro estudo, publicado em 2022 na revista Nature, concluiu que as temperaturas extremas (frio e calor) foram responsáveis por quase 6% das mortes em cidades da América Latina. O estudo “Salud Urbana em América Latina (Salurbal)” teve a participação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade de São Paulo (USP), analisou mais de 15 milhões de óbitos e comparou-os com as temperaturas ambientais diárias nas cidades pesquisadas.

Uma das conclusões é de que as temperaturas extremas estavam relacionadas com a mortalidade por doenças cardiovasculares e respiratórias, especialmente entre idosos e crianças, que são o grupo mais vulnerável. Segundo a pesquisa, em dias muito quentes, o aumento de 1 oC esteve relacionado ao aumento de 5,7% nas mortes. Ao mesmo tempo, cerca de 10% das mortes por infecções respiratórias foram atribuídas ao frio intenso.

A médica ressalta que, diante das evidências de que as mudanças climáticas estão afetando a saúde, as políticas de saúde pública devem incluir ações preventivas para o AVC focadas na mitigação das mudanças climáticas e na melhoria da resiliência das comunidades a extremos climáticos.

“Isso inclui melhorar a infraestrutura de saúde, aumentar a conscientização sobre os riscos associados às temperaturas extremas e desenvolver estratégias específicas para ajudar as populações vulneráveis a se adaptarem e responderem a essas condições”, completa. Além disso, ela explica que é crucial promover estilos de vida saudáveis e o controle rigoroso de fatores de risco modificáveis, como hipertensão e diabetes, e implementar programas de educação sobre os sinais de alerta e a importância da resposta rápida ao AVC.

Fonte: Agência Einstein

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Saúde

Biomarcadores no sangue podem ajudar a identificar o risco de AVC em pessoas com fibrilação atrial 

Pesquisa dos Estados Unidos mostra que quatro biomarcadores presentes no sangue refletem maior sobrecarga cardíaca, inflamação e coagulação

 

Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein

Monitorar algumas substâncias específicas no sangue de pessoas com fibrilação atrial, um tipo de batimento cardíaco irregular, pode ajudar a identificar quem está em risco aumentado de sofrer um AVC (Acidente Vascular Cerebral), mesmo que essa pessoa já tome medicamentos para afinar o sangue e evitar o risco de um evento cardiovascular, sugere uma pesquisa apresentada no mês passado durante uma conferência de Epidemiologia, Prevenção, Estilo de Vida e Saúde Cardiometabólica da Associação Americana do Coração, nos Estados Unidos.

De acordo com a pesquisa, quatro biomarcadores presentes no sangue de pacientes com fibrilação atrial que refletem maior sobrecarga cardíaca, inflamação e coagulação podem estar associados ao aumento do risco de AVC. Dessa forma, monitorar esses marcadores em exames de sangue de rotina poderia ser mais uma ferramenta para identificar quais pacientes estão em risco e se beneficiariam com um tratamento preventivo adicional.

A fibrilação atrial é a arritmia cardíaca mais comum na prática clínica e a sua incidência aumenta com a idade. Estima-se que 2% da população adulta tenha fibrilação atrial e esse número pode chegar a 12% nas pessoas com mais de 80 anos. De acordo com o cardiologista Humberto Graner, do Hospital Israelita Albert Einstein em Goiânia, a fibrilação atrial é caracterizada pelo batimento acelerado e irregular dos átrios cardíacos, o que pode levar à ineficiência no bombeamento do sangue.

O risco do AVC existe porque as duas câmaras superiores do coração desses pacientes (os átrios) ficam tremendo, em vez de se contraírem totalmente, o que acaba interferindo na capacidade de o coração bombear o sangue de forma adequada para as câmaras inferiores do órgão. O problema é que o sangue que não foi bombeado de maneira correta pode se acumular e formar coágulos. Estes, por sua vez, podem escapar e migrar pela corrente sanguínea, causando um AVC isquêmico – aquele que acontece quando os vasos que irrigam o cérebro entopem, interrompendo a circulação sanguínea na área.

“É justamente por essa razão que a maioria das pessoas com fibrilação atrial, sobretudo os mais idosos ou que possuam outras comorbidades, precisa tomar anticoagulantes por toda a vida, com o objetivo de prevenir esses eventos tromboembólicos”, explica o médico.

De acordo com o cardiologista, a fibrilação atrial pode ser controlada, mas frequentemente é considerada uma condição crônica. “Existem estratégias para o manejo, que incluem o controle do ritmo ou da frequência cardíaca e, em alguns casos, procedimentos como ablação por cateter podem restaurar o ritmo normal do coração de forma sustentável, o que alguns podem considerar uma ‘cura’. No entanto, mesmo após a ablação, alguns pacientes talvez precisem continuar a terapia com anticoagulantes para prevenir o AVC, especialmente se tiverem outros fatores de risco”, alerta.

Nem sempre usar os anticoagulantes continuamente é o suficiente para evitar que a pessoa sofra um AVC. Foi por isso que os cientistas decidiram investigar se havia outra forma de identificar o risco aumentado e tentar evitar que o evento aconteça, já que o AVC é uma das principais causas de internações, morte e incapacidade permanente em todo o mundo.

“Os anticoagulantes reduzem o risco de AVC entre 60 e 70% em pacientes com fibrilação atrial. Não existe um anticoagulante perfeito, que nos previna 100% de um AVC. Por isso existe a preocupação com esse risco residual. Ou seja, mesmo os pacientes que fazem uso adequado da medicação e realizam um acompanhamento clínico regular com o cardiologista podem ter um AVC isquêmico decorrente de um trombo que teve origem no coração”, diz Graner.

 

O que mostra o estudo

Na pesquisa, os cientistas avaliaram 713 adultos com mais de 45 anos (média de 76 anos) que tinham fibrilação atrial e usavam anticoagulantes orais no início do estudo, mas sem histórico de AVC. Nove biomarcadores sanguíneos foram medidos. Os resultados apontaram que 9% (67) dos participantes tiveram um AVC isquêmico pela primeira vez ao longo de 12 anos de acompanhamento e houve associações positivas de quatro biomarcadores envolvidos na sobrecarga cardíaca, inflamação e coagulação.

De acordo com os pesquisadores, os coágulos sanguíneos parecem se formar mais facilmente em pessoas com níveis mais elevados desses biomarcadores, por isso identificá-las seria o primeiro passo para compreender o que mais pode ser necessário fazer, como o uso de outros medicamentos e até procedimentos.

Graner ressalta que, apesar do tratamento, o risco de AVC não é completamente eliminado e ele pode acontecer em pacientes com fibrilação atrial que usam corretamente os medicamentos prescritos, por exemplo, que tenham interações medicamentosas que reduzem a eficácia do anticoagulante ou até mesmo pela presença de outros fatores de risco vascular. “Além disso, há casos de AVC que ocorrem apesar da anticoagulação adequada, o que pode ser atribuído a mecanismos não completamente entendidos ou a limitações nos próprios anticoagulantes, o que chamamos de risco residual”, diz.

Segundo Graner, os biomarcadores testados na pesquisa não estão ligados ao AVC especificamente e, por isso, não costumam ser utilizados na prática clínica nesse sentido. Mas ele ressalta que alguns biomarcadores sanguíneos têm sido mais estudados e foram associados ao maior risco de AVC, como níveis elevados de D-dímero, troponina e peptídeo natriurético tipo B.

“O objetivo do estudo foi exatamente tentar encontrar algum marcador que, no contexto do paciente com fibrilação atrial e em uso de anticoagulantes, possa identificar aqueles com maior risco de AVC. A ideia é descobrir o que pode contribuir com esse risco persistente. Os custos e a complexidade dos testes variam, mas em geral são acessíveis”, afirma o cardiologista. 

Apesar disso, o uso desses testes na prática clínica ainda é limitado, sobretudo porque a ciência ainda não sabe o que é preciso fazer caso algum dos biomarcadores esteja em níveis elevados. “Ainda não há nenhuma estratégia específica para lidar com essa informação. Devemos aumentar a dose do anticoagulante? Se aumentarmos a dose, o que acontece com o risco de sangramento? Haveria outro tratamento para diminuir o risco residual de ter um AVC, mesmo tratando certinho? Ainda não temos respostas para essas informações”, finaliza.

Fonte: Agência Einstein

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