Opnião

A exploração infantil no digital: uma reflexão desconfortável

A urgência da discussão nos remete a uma reflexão desconfortável, mas necessária: a cumplicidade de muitos pais

De quem é a responsabilidade de transformar os territórios? Em uma reflexão mais profunda, poderíamos perguntar: de quem é a responsabilidade de proteger as crianças e os adolescentes no território digital? Este questionamento, que deveria ser constante, ganhou os holofotes com a denúncia do youtuber Felca, que expôs a exploração de menores em um sistema de “adultização” promovido por influenciadores como Hytalo Santos.

A polêmica trouxe à tona uma realidade que, embora conhecida por pais, autoridades e pelas gigantes da tecnologia, permanece em uma zona de permissividade alarmante. A exploração infantil na internet não é uma novidade, mas se agrava em uma cultura onde o lucro e a fama a qualquer custo justificam o injustificável.

Preocupada com a questão, a Folha de Valinhos – como fez na semana passada com o caso do professor de 44 anos que assediava via WhatsApp uma adolescente de 14 anos quer, através desse editorial convoca a sociedade a uma reflexão acerca de mais essa polêmica envolvendo a vida e a segurança das crianças.

Este editorial convoca à reflexão e aponta a responsabilidade não apenas para os criadores de conteúdo, mas também aos pais, às autoridades e, principalmente, às grandes empresas de tecnologia, que precisam urgentemente deixar de ser meras espectadoras.

A urgência da discussão nos remete a uma reflexão desconfortável, mas necessária: a cumplicidade de muitos pais. A permissividade e a busca por notoriedade e retorno financeiro transformam o lar em um estúdio e os filhos em produtos. A ‘adultização’ se manifesta não só em conteúdos com temas maduros ou sexualização precoce, mas na perda da infância, da liberdade de ser apenas uma criança. Como especialistas alertam, a exposição sem limites prejudica gravemente o desenvolvimento emocional e social, minando a autoestima e a privacidade. O impacto se torna um ciclo vicioso, onde os menores são preparados para a fama e o dinheiro, mas nunca para lidar com os riscos, as críticas e o assédio que vêm junto com essa exposição irresponsável.

A outra ponta dessa equação de irresponsabilidade recai sobre as autoridades e, de maneira mais contundente, sobre as gigantes da tecnologia. É inadmissível que, em pleno século 21, as plataformas digitais, como Meta e Google, se isentem da responsabilidade de proteger crianças e adolescentes. Enquanto o Ministério Público e a Justiça buscam sanar os problemas, a lentidão na aplicação das leis é inaceitável. Por que o conteúdo que explora menores continua online, mesmo com o respaldo do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)? A resposta é simples e cruel: o dinheiro. Nesse afã de faturar a qualquer custo, o bem-estar e a saúde mental das crianças são relegados a segundo plano, um padrão de comportamento que vimos em outros cenários, como o caso das “bets”. O lucro, acima de tudo, se tornou o único balizador moral no ambiente digital.

A legislação brasileira, com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) à frente, é clara e rigorosa na proteção dos menores, proibindo a produção e divulgação de material que os explore ou sexualize. No entanto, a lei por si só não basta. A omissão das autoridades em cobrar das plataformas uma postura mais rígida na fiscalização e na remoção de conteúdos inadequados é um problema crônico. O Ministério Público precisa intensificar sua atuação, exigindo o cumprimento da lei e a punição dos responsáveis, independentemente de quem sejam. Afinal, a proteção do interesse da criança se sobrepõe a qualquer autorização de pais ou produtores de conteúdo. A eficácia da lei depende da ação, e é inadmissível que a burocracia e a inércia permitam que as crianças continuem vulneráveis em um ambiente digital tão perigoso.

A discussão sobre a ‘adultização’ e a exploração de crianças na internet não pode se esgotar em um vídeo de denúncia. A proteção da infância é uma responsabilidade coletiva, que exige a união de esforços de toda a sociedade. Aos pais, cabe a vigilância, o diálogo e a educação digital. Às autoridades, a fiscalização rigorosa e a aplicação da lei. E às plataformas, a obrigação moral e legal de criar um ambiente seguro, onde o lucro não se sobreponha à dignidade humana. O desafio é complexo, mas a meta é clara: garantir que nossas crianças possam simplesmente ser crianças, com a inocência e a liberdade que lhes são de direito, sem que o mundo digital as obrigue a crescer antes da hora.

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