Colunistas

A desinformação agrava a tragédia para inflar egos

No começo de maio o Brasil foi tomado de assalto por uma tragédia climática sem precedentes. O estado do Rio Grande do Sul, um dos mais ricos e proeminentes da Federação não resistiu às forças das águas e sucumbiu à uma terrível enchente que causados pelo transbordo de seus rios, entre eles Guaiba, Antas e Taquari.

Atônitos, nós brasileiros distantes do evento climático e da tragédia humana, tivemos nossos smarthphones tomados por cenas dantescas de resgates, desabamentos, aeroporto tomado por água, avenidas que se transformaram em rios, sem a necessidade de aguardar até por volta das 20 horas – como era costumeiro na era em que a televisão imperava – para saber dos últimos acontecimentos na comodidades dos sofás de nossas salas.

Somou-se a isso um exercito imenso de voluntários destemidos e ações humanitárias Brasil afora para ajudar o povo gaúcho. Um exemplo magnífico de que o Brasil é um país que, apesar de suas diferenças, tem um povo que responde quando é chamado.

Por outro lado, aqui já entrando no tema do presente artigo e, sem também aqui fazer juízo de valor, destaco que no meio da resposta dada pelo grande maioria do povo, é importante deixar claro que muita gente entrou no  ‘vórtice da tragédia’ apenas para causar. Triste o século XXI que ainda carrega pessoas que no afã de se ‘solidarizar’ causaram outra tragédia:  a da desinformação.

Enquanto a imprensa séria – destaque para os jornais do sul (os dois maiores Zero Hora e Correio do Povo, tiveram seus parques gráficos alagados) – se desdobra para cumprir com sua missão em levar informação jornalística relevante ao Brasil e, sobretudo às populações atingidas, especuladores da tragédia humana usam do poder das redes sociais para disseminar mentiras e desinformações.

Nada contra  quem quer fazer uso das redes sociais para apresentar fatos e acontecimentos – buscando com a devida responsabilidade que a situação exige, checar as informações antes de subi-la para sua plataforma preferida. As imagens no sul são dramáticas e falam por si, quando são acompanhadas de narrativas desconectas da realidade ou com interesse outro – seja politico, ideológico ou religioso – a informação já está contaminada.

Muitos ao entrararem na ’linha de frente’, nas cenas das cidades do sul – antes mesmo de ‘fazer o bem, sem olhar a quem’,  – já tinha um roteiro précio em mentte e de posse de seu Smartphone, foram logo disparando ataques contra o Estado – não apenas o do governo do Rio Grande do Sul, mas também o Federal – acusando-o de omissão, sem sequer checar a informação.

A devastação do Rio Grande do Sul que esta semana contabilizava 447 municípios afetados, com mais de 2 milhões de pessoas afetadas e 148 mortes e mais de 800 feridos é comparada aos danos causados pelo Furacão Katrina, que assolaram Nova Orleans, nos Estados Unidos, em agosto de 2005. Lá a área alagada foi de 2,4 mil quilômetros, enquanto que no Rio Grande do Sul já se conta com 3,8 mil quilômetros de alagamento. Contudo, o Katrina deixou quase 1,4 mil mortos e mais de 1 milhão de desalojados.

Em se tratando dos Estados Unidos, milhares de desabrigados sofreram até que a resposta efetiva fosse bem organizada e estruturada. Nesse interim oportunistas, saqueadores, bandidos fizeram com que o caos, ganhasse uma proporção de dor, desconforto e descontrole que só evidenciava que a tragédia do gênero humano – ainda desarmado do smarthphone – enquanto ser social e integrativo começasse uma escalada nefasta.

A informação é crucial em qualquer área da vida. A informação salva vidas. E essa desconexão moral alimentada pelas Redes Sociais e seus abnegados influencers – não estou aqui generalizando – sejam eles de direita ou esquerda, militantes católicos ou protestantes, integrantes dos grupos de LGBTQ+, grupos machistas ou feministas – apenas deveriam entender que ajudar e se solidarizar é fundamentais nessa hora, assim o gesto desprovido de palavras, seja escrita ou falada – por vídeo ou podcast – faz a ação humanitária avançar mais.

O advento das Redes Sociais criou um novo tipo de solidariedade – e isso é louvável. Quem muito tem, pode e deve fazer mais pelos que necessitam. Por outro lado, é lamentável também que esse tipo de solidariedade – novamente sem querer generalizar (tem homens e mulheres abnegados e desprovidos de interesses) tenha uma necessidade de aparecer. Diferente de outras grandes campanhas que tomaram conta do Brasil – a Campanha da Fome do Betinho, nos anos de 1990, pra citar apenas uma – onde os doadores generosos se ocupavam de apenas doar e permanecer no anonimato.

A comunicação que antes era de emissor para receptor – passiva e não ativa/reativa como é hoje, tinha outro efeito nas pessoas. A televisão – com toda sua manipulação – perdeu protagonismo para o Smarthphone onde cada um hoje tem seu próprio canal de TV – a manipulação que era de uma empresa ou de um grupo de comunicação – hoje é feita ao gosto do freguês que se alinha aos perfis e canais de seu influencer preferido  – que tanto pode ser para o bem como para o mal.

Há uma particularidade no que ocorre no Sul agora, que ficou simbolizada pela imagem do cavalo caramelo que passou quatro dias sob um telhado aguardando o exército da salvação resgatá-lo. O olhar para os animais de fato mudou e mudou muito, e isso é bom.

Se olharmos para a história de tragédias no Brasil vamos ver que jamais houve um movimento tão intenso e tão cuidadoso como o que ocorre lá agora. Antes eles simplesmente eram deixados, caso seus tutores não conseguissem carrega-los na hora da fuga. Entendendo que muitas famílias no sul, sobretudo idosos, tinham por companheiro seu fiel amigo cão ou seu fiel amigo gato. Por que então não haver uma mobilização para dar a eles a chance de vida como a que os humanos estavam tendo?

Esse foi outro estopim de movimento de ‘fake news’ que dominou o debate nas Redes Sociais. A atenção e a dedicação de muitas pessoas que para o sul se deslocaram apenas para salvar os animais – incomodou muitas pessoas, sobretudo negacionistas e ufanistas – para os quais os animais não tinham esse direito. Por conta disso, salva-vidas (de animais), ONGs que se disponibilizaram a ajudar com abrigo, comida e veterinários acabaram recebendo uma enxurrada de críticas como se estivessem, em detrimento do socorro aos humanos, preferindo socorrer cães, gatos porcos, vacas e cavalos. Como se eles não tivessem o direito a um resgate digno e a um abrigo digno.

É claro que a mobilização humanitária é muito maior que a desinformação. No ‘front’ estão destemidos heróis anônimos ligados às prefeituras locais, Igrejas, Organizações Civis e empresas que não estão medindo esforço para amenizar o drama.

Contudo, o efeito nocivo desse cabo-de-guerra entre a informação e a desinformação,  travado nas Redes Sociais traz prejuízos para a ampliação das doações e mobilização de voluntários.

André Luis dos Reis é jornalista, editor da Folha de Valinhos, especialista em Gestão da Comunicação e Marketing pela Escola de Comunicação e Artes – ECA – da Universidade de São Paulo – USP.

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