Opnião

A Campanha da Fraternidade e as sementes da divisão

Nesta última quarta-feira a Igreja Católica abriu mais uma vez o tempo da Quaresma – no qual os cristãos são chamados à revisão de vida e ao abandono dos vícios, com vistas a fortalecerem o vínculo do seguimento de Jesus Cristo.
Como acontece no Brasil desde meados da década de 1960, o caminho quaresmal é acompanhado pela realização da Campanha da Fraternidade. Trata-se de uma iniciativa de meditação de uma temática social para fortalecer a consciência e ajudar as nossas comunidades a perceberem a necessidade de serem sempre mais atentas e solidárias aos desafios que nos cercam.
Pois, em 2021, a Campanha da Fraternidade tem sido alvo de muitas polêmicas. Este ano, a CF assumiu mais um vez uma dimensão ecumênica e foi elaborada e assumida pelo Conic (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil). Infelizmente estão presentes muitas críticas envolvendo o texto-base, material que orienta a meditação sobre o tema a ser trabalhado. As redes sociais têm denunciado, por meio de grupos de viés altamente sectário e conservador, a presença de trechos do texto que associam a cultura de violência em que estamos mergulhados a questões de gênero e intolerância religiosa. As menções a esses temas foram colocadas pelos críticos na conta da pastora luterana Romi Bencke, que tem buscado, na sua produção acadêmica, criar espaços mais evidentes para a emancipação feminina e para o combate às violências de gênero. Romi, que atualmente ocupa o posto de secretária do Conic, é acusada por alguns de seus críticos de ser abortista, por incluir em suas reflexões a sensível questão ética que envolve a interrupção de gravidez. “Como pode uma pastora que defende o aborto produzir um material católico?”, perguntam nas redes sociais.
Por ironia, a proposta da Campanha da Fraternidade deste ano é justamente aprofundar a atitude do diálogo (o tema é “Freternidade e Diálogo: compromisso de amor”). O que temos visto por parte de muitas pessoas é uma crítica contundente, de viés autoritário, sem abertura para a escuta – primeira disposição de quem pretende conversar.
Antes de perguntar quem está certo nessa celeuma, prefiro ficar com a afirmação do Papa Francisco, grande farol para a Igreja do nosso tempo. Ele nos recorda, na sua carta encíclica Fratelli tutti: “Deve-se reconhecer que os fanatismos, que induzem a destruir os outros, são protagonizados também por pessoas religiosas, sem excluir os cristãos, que podem ‘fazer parte de redes de violência verbal através da internet e vários fóruns ou espaços de intercâmbio digital. Mesmo nos media católicos, é possível ultrapassar os limites, tolerando-se a difamação e a calúnia e parecendo excluir qualquer ética e respeito pela fama alheia’ Agindo assim, qual contribuição se dá para a fraternidade que o Pai comum nos propõe?” (Fratelli tutti, 46)
Nos último dias, recebemos também uma reflexão muito pertinente de Dom Odilo Scherer, Cardeal Arcebispo de São Paulo. Ele nos extorta a não perdermos o foco sobre o essencial da Campanha – justamente o esforço pela construção do diálogo. A nossa fé é no Cristo ressuscitado, que deseja unir quem está divido a partir da força do mandamento do amor. Que a nossa quaresma seja também sinal do nosso esforço nessa direção.
Afinal, como dizem os antigos, é conversando que a gente se entende.

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