Fanzine

Série de reportagens: Pedaço da Síria em Valinhos – Primavera sem flores

Em uma semana conversando com o sexteto sírio Yehya Mousa, Zobaedah Oqla, Waleed Shukri, Alma, Taleb Mohammed Kasem e Farid Hussein, a casa em que eles moram na Vila Santana passou por transformações. Feito por eles mesmos, o quintal ganhou o DNA palestino com arquiteturas típicas e dois pavimentos cimentados. A proposta é abrir um restaurante de comida árabe após a conclusão da adaptação.
O ambiente tem um espaço em que serão instaladas duas cachoeiras artificiais. Para a comunidade palestina, este aspecto natural representa vida. Uma das características do mundo árabe é a falta de água, principalmente nos países do Oriente Médio – palco de conflitos econômicos e políticos. A região apresenta a maior vulnerabilidade ao acesso aos 3% de água doce potável para uma população global de 7 bilhões de pessoas. A expectativa é de que em 40 anos, o Oriente Médio alcance 600 milhões de habitantes.
Com a expansão árabe inicialmente na Espanha, as casas desta comunidade tinha elemento de recomeço uma fonte, simbolizando vida. Na capital da Síria, Damasco, as cafeterias e os restaurantes são ambientados com som de água corrente. “Tudo o que é vivo, é feito de água”, diz um versículo do Alcorão.
A guerra civil da Síria começou a se desenhar com a explosão das manifestações na Tunísia, ainda entre dezembro de 2010, com a queda do ditador Zine El Abidini Ben Ali.  A onda de protestos que se arrastou pela Líbia, Egito, Argélia, Iêmen, Marrocos, Bahrein, Síria, Jordânia e Omã reivindicavam situações diversas. Desde a queda de ditadores até passando pela diminuição dos poderes de governantes, redução da taxação de tributos, mais transparência e democracia. “Os palestinos não participavam dos protestos. Inicialmente, nós testemunhávamos um protesto pacífico e as forças de segurança não interferiam”, analisa Waleed Shukri, 32, irmão de Zobaedah Oqla. Mas forças externas que faziam parte de grupos financiados pelos Estados Unidos infiltrados nos protestos provocaram morte de um integrante da segurança síria. O fato forçou a perda de controle das manifestações e acendesse a pólvora para o início da guerra civil.
“A Primavera Árabe mexeu com o povo sírio, mas a resposta do regime foi desproporcional”, diz Waleed. Na Síria, ele terminou os estudos em 2003 e depois serviu o exército até 2005. Trabalhou em setores da iniciativa privada e quando a guerra começou, ele fazia serviços gerais, como consertos de piscinas ao lado de Yehya Mousa. Casado e pai de duas meninas e um menino, quando Waleed decidiu vir para o Brasil, a esposa mudou-se para o Líbano com os filhos para morar na casa dos pais.
A vontade de sair da Síria já vinha desde quando terminou o período de serviço no exército. No entanto, sendo palestino, nenhum país ao redor da Síria poderia recebê-lo porque não tinha passaporte e seria considerado um elemento revolucionário que ameaçaria a estrutura social.
Waleed concordava com os protestos, mesmo se posicionando como testemunha. “A guerra não começou de forma súbita. Começou de forma gradual, mas com o passar do tempo ficaram mais violentos”, relembra.
Assim como os outros membros da família, Waleed apostava que a situação de tensão acabaria em poucos meses, principalmente pelo exército bem treinado. O cenário, porém, foi para uma evolução de uma violência desproporcional. “O que se via era um rio de sangue dos dois lados. A guerra virou algo vingativo”.
A situação dos palestinos passou a ficar desconfortável. O ambiente de harmonia deu lugar à hostilidade e pressão. Com o desenrolar da guerra, os grupos resistentes ao regime e os rebeldes exigiam lealdade dos palestinos e que eles escolhessem um lado. “A guerra não é nossa. É uma guerra dos sírios”.
Como forma de encurralar os palestinos, grupos pró-Bashar al Assad e rebeldes começaram a atacá-los, jovens pressionados a participar da guerra e famílias massacradas.
Waleed ainda vislumbrou com a guerra a chance de colocar em prática a vontade de 2005: sair da Síria. Alguns países começaram a ficar mais flexíveis em receber os palestinos, como a Líbia, ainda que as dificuldades fossem evidentes. Na primeira tentativa, Waleed foi entrevistado pelo serviço de segurança libanês, esperou 12h para ter a resposta negativa. Na Europa, a entrada era apenas de forma ilegal e exigia uma quantidade elevada de dinheiro. “O Brasil é um dos poucos países que recebe os palestinos de forma organizada”.
Na segunda vez em que conseguiu entrar na Líbia, junto com Taleb Mohammed Kasem, a autorização só foi possível pela sogra de Waleed que mora no país e conhece um funcionário do departamento de Assuntos Sírios no Líbano.
Foi a porta aberta para que Yehya Mousa fizesse o convite para a embaixada brasileira no Líbano e permitisse a vinda de Waleed e Taleb.

COMPARTILHE NAS REDES