Saúde
Ultraprocessados já representam 23% da alimentação no Brasil

O relatório lembra que, após a Segunda Guerra, esses produtos se espalharam entre nações de alta renda, mas se tornaram um fenômeno mundial nos anos 80, impulsionados pela globalização
O consumo de ultraprocessados no Brasil mais que dobrou desde os anos 80. Ele saltou de 10% para 23% da alimentação nacional, revelam artigos publicados por mais de 40 cientistas liderados por pesquisadores da USP.
A série, divulgada pela revista The Lancet, mostra que o fenômeno é mundial. Entre 93 países analisados, 91 registraram aumento no consumo desses produtos industrializados – conhecidos por serem prontos para consumo, muito duráveis e altamente palatáveis.
Nos Estados Unidos, os ultraprocessados já são mais de 60% da dieta. No Reino Unido, a taxa permanece estável em 50%. O Brasil segue tendência de ascensão contínua.
Dados do estudo revelam aumentos expressivos em outras regiões:
Espanha e Coreia do Sul triplicaram o consumo em 30 anos.
China saltou de 3,5% para 10,4%.
Argentina passou de 19% para 29%.
Segundo Carlos Monteiro, pesquisador do Nupens/USP e líder do estudo, esse avanço não é espontâneo:
“O crescimento é impulsionado por grandes corporações, apoiadas por marketing agressivo e lobby político.”
O consumo começa entre pessoas de maior renda e depois se espalha para outros grupos, repetindo um padrão visto globalmente. Porém, cultura também pesa: países ricos como Itália e Grécia mantêm taxas abaixo de 25%, enquanto Canadá chega a 40%.
O relatório lembra que, após a Segunda Guerra, esses produtos se espalharam entre nações de alta renda, mas se tornaram um fenômeno mundial nos anos 80, impulsionados pela globalização.
O avanço dos ultraprocessados acompanha o aumento global de:
obesidade,
diabetes tipo 2,
câncer colorretal,
doenças cardiovasculares e
doenças inflamatórias intestinais.
De 104 estudos analisados, 92 apontaram maior risco de ao menos uma doença crônica em dietas ricas nesses produtos.
O que são ultraprocessados?
A classificação NOVA, criada por pesquisadores brasileiros em 2009, divide alimentos em quatro grupos:
1. In natura ou minimamente processados
Frutas, verduras, carnes, grãos, congelados e alimentos cuja estrutura original é mantida.
2. Ingredientes processados
Subprodutos usados no preparo de refeições: óleo, açúcar, sal.
3. Processados
Alimentos do grupo 1 com ingredientes do grupo 2.
Exemplos: enlatados, pães simples, sucos integrais.
4. Ultraprocessados
Misturas industriais com aditivos químicos que ampliam durabilidade e sabor.
Exemplos: refrigerantes, biscoitos recheados, macarrão instantâneo, snacks saborizados, iogurtes adoçados.
Segundo Monteiro, o processamento deixou de preservar alimentos e passou a criar substitutos com ingredientes baratos e de baixo valor nutricional.
Recomendações dos pesquisadores
O estudo propõe medidas para reduzir o consumo global desses produtos. Entre elas:
1. Rótulos mais claros
Indicação obrigatória de aditivos como corantes e aromatizantes.
2. Proibição em ambientes públicos
Escolas e hospitais não deveriam ofertar ultraprocessados.
O Brasil é citado como exemplo com o PNAE, que determina que 90% dos alimentos servidos sejam frescos ou minimamente processados a partir de 2026.
3. Menos publicidade
Especialmente a voltada ao público infantil.
4. Sobretaxação
Impostos extras sobre ultraprocessados para financiar a distribuição de alimentos frescos a famílias de baixa renda.
Os autores reforçam que a responsabilidade não é individual:
As grandes corporações usam ingredientes baratos, marketing agressivo e embalagens atraentes para moldar hábitos alimentares em escala global.
Com vendas anuais estimadas em US$ 1,9 trilhão, os ultraprocessados formam o setor mais lucrativo da indústria alimentícia.


