Brasil e Mundo

ONGs alertam para riscos na exportação de animais vivos do Brasil

A crise envolvendo o navio Spiridon II reacendeu a pressão sobre a exportação de animais vivos. O caso, que deixou quase três mil vacas retidas por meses, foi alvo de fortes críticas na audiência pública realizada em Brasília. ONGs afirmam que o país mantém práticas arriscadas, enquanto o mundo avança para proibições.

O Brasil lidera as exportações globais de bois vivos. Mas denúncias de maus-tratos, riscos sanitários e impactos ambientais elevam a tensão entre governo, setor produtivo e entidades de proteção animal.

Problemas no transporte marítimo de animais

Há três semanas, o Spiridon II só conseguiu desembarcar sua carga na Turquia após longo impasse. O país havia rejeitado o navio por falhas sanitárias e de identificação. Relatos incluíram carcaças no convés, mau cheiro intenso, falta de água e de alimento.

Na audiência, a Mercy For Animals afirmou que o ambiente a bordo causa sofrimento severo. O diretor George Sturaro explicou que fatores como calor, superlotação e balanço do mar debilitam o sistema imunológico dos animais.
Segundo ele, isso favorece doenças infecciosas e piora a mortalidade.

Sturaro também alertou para a falta de assistência veterinária e para o estado antigo das embarcações, que aumenta o risco de naufrágios. Outro problema citado é a poluição provocada pelos caminhões que transportam os bois até os portos.

“Fezes e urina caem dos caminhões e impregnam o ar dos municípios”, disse o diretor. “Isso afeta a saúde pública, o comércio e o turismo.”

Ele lembrou que Santos e Belém já deixaram o circuito de exportação por causa desses impactos.

Audiência reúne entidades e debate legislação

O debate foi requerido pela deputada Duda Salabert (PDT-MG). Participaram o Grupo de Trabalho Animal da Frente Parlamentar Ambientalista, o Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, a Gaia Libertas, a ANDA e o Movimento Nacional Não Exporte Vidas.

Dados do Comex Stat mostram que, em 2025, o Brasil embarcou 952 mil bois até novembro. O número deve ultrapassar 1 milhão até o fim de dezembro.

No Congresso, dois projetos tentam desestimular o comércio. O PLP 23/2024, de Luciene Cavalcante (PSOL-SP), propõe acabar com a isenção de ICMS. Já o PL 786/2024, de Nilto Tatto (PT-SP), prevê a cobrança de imposto de exportação sobre animais vivos.

Posicionamento do governo

A diretora de Proteção Animal do Ministério do Meio Ambiente, Vanessa Negrini, disse que a pasta tem feito manifestações técnicas contra a prática. Ela criticou uma emenda da Frente Parlamentar da Agropecuária ao PL 347/2003.

Segundo Negrini, a mudança cria um “regime jurídico de exceção”, ao retirar atividades produtivas da proteção da lei de crimes ambientais.
Ela alerta que isso pode normalizar práticas que causem dor e sofrimento evitáveis.

Tendência global de proibir o transporte de animais vivos

A Mercy For Animals lembrou que vários países já proibiram o comércio por mar. Índia, Nova Zelândia, Reino Unido, Alemanha e Luxemburgo adotaram restrições entre 2018 e 2024. A Austrália, um dos maiores exportadores da história, anunciou o fim para ovinos em 2024.

Na América do Sul, Argentina, Equador e Uruguai discutem projetos semelhantes. Este último suspendeu as exportações em 2025 por impactos econômicos.

“O Brasil está na contramão”, disse Sturaro. “Exportamos empregos e reduzimos a arrecadação.”

Estudo aponta ganhos econômicos com carne processada

Pesquisadores da UEMG e da UFRJ calcularam os efeitos de uma possível mudança. O estudo mostra que substituir bois vivos por carne processada pode gerar até R$ 1,9 bilhão em valor agregado.
A mudança também ampliaria o emprego formal em até 7.200 vagas e aumentaria a arrecadação em até R$ 610 milhões.

Sturaro afirma que a exportação de bois vivos prejudica o mercado interno. Ele explica que o envio de animais reduz a oferta e encarece a matéria-prima.
O diretor também diz que, quando o país importador compra animais e carne do Brasil, o segundo produto perde competitividade.

Para ele, se o Brasil abandonar o modelo, nenhum país terá capacidade de ocupar o mesmo espaço. Com isso, a tendência seria o aumento das compras de carne refrigerada.

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