Saúde

Acompanhante melhora saúde e adesão ao tratamento de idosos

Pesquisa da Universidade de Michigan mostra que o apoio de familiares e amigos favorece a comunicação, amplia o entendimento das orientações e aumenta a adesão ao tratamento

Por Marília Marasciulo, da Agência Einstein

Em setembro, um levantamento da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, confirmou o que médicos e famílias já observavam na prática: levar uma pessoa de confiança às consultas médicas pode fazer diferença na saúde de idosos. O acompanhante ajuda a formular perguntas, compreender orientações, reforçar recomendações e pode oferecer apoio emocional, logístico e financeiro.

Os pesquisadores entrevistaram mais de 2,8 mil adultos com 50 anos ou mais. Para 92% dos participantes, o acompanhante ajudou de forma concreta durante a consulta. Outros 83% disseram que se sentiram mais à vontade para compartilhar informações de saúde com o médico, e 79% afirmaram que o apoio facilitou seguir o tratamento.

Pesquisas anteriores reforçam esse efeito. Um estudo espanhol de 2019 analisou pacientes com doenças crônicas na atenção primária e mostra que apenas 55% seguiam corretamente o tratamento. Segundo os autores, três fatores aumentam a chance de adesão: receber informações claras, entender bem o regime de medicamentos e autopercepção de boa qualidade de vida.

“O acompanhante, às vezes, ajuda a traduzir o que o médico fala. Ele reforça o entendimento, pergunta de novo ou lembra depois em casa o que foi dito. Isso é muito importante, porque muitas vezes o idoso fica nervoso, esquece ou não entende tudo na hora”, explica o médico de família e comunidade Gustavo Shikanai Kerr, que atua no Programa Acompanhante de Idosos (PAI) na Unidade Básica de Saúde (UBS) Campo Limpo, em São Paulo, gerenciada pelo Einstein Hospital Israelita. “Às vezes, o acompanhante faz uma verdadeira adaptação cultural do que você fala para a pessoa e acaba virando uma memória auxiliar”, acrescenta.

Além de facilitar a comunicação, a presença de alguém próximo oferece amparo emocional diante de diagnósticos delicados, o que pode aumentar a adesão ao tratamento. Um acompanhante de confiança, como cônjuge, filhos e amigos, pode ajudar a reduzir a ansiedade e dar mais segurança ao paciente.

Em casos mais complexos, como demência, transtornos de humor ou déficits de memória, esse apoio se torna essencial. Um levantamento brasileiro de 2023 aponta que 11,5% dos idosos apresentam algum grau de comprometimento cognitivo.

Barreiras desiguais

Para muitos idosos, cuidar da própria saúde é quase tão difícil quanto enfrentar o diagnóstico. Um dos principais motivos é o uso simultâneo de vários medicamentos — a chamada polifarmácia. No Brasil, 18% dos idosos tomam cinco ou mais remédios, segundo uma análise de 2023 publicada na Research, Society and Development. O excesso de prescrições também dificulta o acesso aos fármacos. O estudo espanhol de 2019 indica que a chance de adesão ao tratamento cai cerca de 35% a cada nova farmácia usada para retirar os remédios.

A linguagem técnica, as restrições financeiras, as dificuldades de locomoção e a solidão somam-se a esse quadro. “A equipe de saúde pode usar uma linguagem mais técnica, o que torna tudo mais complicado, principalmente porque grande parte dos nossos pacientes tem baixo letramento em saúde”, observa Kerr.

Essas dificuldades pesam ainda mais sobre quem depende do Sistema Único de Saúde (SUS).  Uma revisão de 2017 revela que, no Brasil, idosos com maior renda e escolaridade fazem até quatro vezes mais consultas médicas por ano do que aqueles que dependem exclusivamente do SUS. Pessoas de baixa renda, por outro lado, costumam procurar hospitais apenas em situações de urgência, o que revela barreiras financeiras, de informação e de transporte.

“Para ter um acompanhamento, mesmo que seja pelo SUS, muitas vezes é preciso ter condições de se deslocar”, aponta o médico do Einstein. “Eu tenho pacientes que não conseguem. São idosos que têm passe de ônibus e metrô, mas alguns não conseguem usar, precisam recorrer aos aplicativos de transporte. Então, existem essas barreiras financeiras também.”

Idosos cuidando de idosos

O levantamento da Universidade de Michigan também traçou o perfil dos acompanhantes. A maioria acompanha o cônjuge ou parceiro (71%), seguida por filhos adultos (20%). “Temos visto também muitos idosos cuidando de outros idosos. Uma pessoa de 80 anos cuidando de outra de 90 e isso impacta muito”, observa o especialista. Entre os participantes com mais de 50 anos que acompanharam alguém, 28% disseram ter ido à consulta com um dos pais.

Entre os pacientes, 38% afirmaram que outro adulto participou de pelo menos uma de suas consultas médicas no último ano. A presença de acompanhantes foi mais comum entre pessoas com saúde física regular ou ruim, limitações funcionais e idade acima de 65 anos. “O fato de ter alguém preocupado com você faz você querer se cuidar também. A presença é muito importante, ainda mais hoje, nessa época de tecnologia e videochamadas”, afirma Gustavo Kerr.

Entre os que vão sozinhos às consultas (62%), 80% afirmam não sentir necessidade de ajuda, 20% preferem ir sozinhos, 11% não querem ser um fardo e 6% disseram não ter ninguém disponível para acompanhá-los.

Desafio coletivo

Entre 2000 e 2023, a proporção de idosos no Brasil subiu de 8,7% para 15,6%, segundo o último Censo do IBGE. As projeções indicam que, em 2070, mais de 37% da população terá 60 anos ou mais — o equivalente a 75 milhões de pessoas.

Esse envelhecimento rápido torna urgente enfrentar os desafios do cuidado com essa faixa etária. “Enquanto sociedade, precisamos pensar na resposta que vamos dar para essa população que está envelhecendo”, afirma Kerr. Ele defende o fortalecimento do sistema público de saúde, o investimento em políticas sustentáveis e melhores condições de trabalho para as equipes. “Uma equipe de saúde da família que atende 4 mil pessoas tem, em média, 15% de idosos. Parte deles exige acompanhamento intenso. Nesses casos, é essencial trabalhar em rede, articulando os serviços. É preciso capacitar, integrar e criar condições para que o treinamento se traduza em prática”, diz.

No Brasil, essa integração ainda é frágil. Muitos pacientes circulam entre consultórios e hospitais sem que os profissionais compartilhem informações sobre seus tratamentos. O resultado são diagnósticos repetidos, perda de dados clínicos e interrupções no cuidado. Kerr acredita que o país precisa enxergar o envelhecimento não como um problema individual, mas como um desafio coletivo. Isso exige direcionar recursos para centros de formação e de apoio, além de equipes multidisciplinares capazes de atender as diferentes condições de uma população idosa.

Uma revisão publicada em 2023 no Brazilian Journal of Health Review evidencia que a integralidade do cuidado aos idosos continua entre os maiores gargalos do SUS. O estudo apontou falta de profissionais qualificados, ações preventivas fragmentadas e pouca articulação entre os níveis de atenção. Mais da metade dos idosos avaliados fazia uso de medicamentos potencialmente inapropriados, e 35% apresentavam sintomas depressivos.

“Hoje sinto falta de acesso fácil à fisioterapia, à promoção da alimentação saudável e a programas de emagrecimento. Precisamos de profissionais capazes de lidar com necessidades complexas e de políticas públicas que considerem o envelhecimento populacional a longo prazo”, conclui o médico do Einstein.

Fonte: Agência Einstein

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