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Dia da Consciência Negra reacende debate sobre violência policial no Rio

© Joédson Alves/Agência Brasil

O Atlas da Violência reforça o cenário: uma pessoa negra tem quase três vezes mais chance de ser assassinada do que uma pessoa branca

O Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, celebrado neste 20 de novembro, volta a destacar a relação entre racismo estrutural e violência policial no Brasil.

Especialistas ouvidos pela Agência Brasil afirmam que a data, agora feriado nacional pela segunda vez, deve provocar reflexão profunda sobre desigualdade, letalidade e o papel do Estado em territórios pobres e majoritariamente negros.

No centro das discussões está a Operação Contenção, realizada em 28 de outubro nos complexos da Penha e do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro. A ação resultou na maior chacina da história do país, com 121 mortos — entre eles quatro agentes de segurança.

Do total de vítimas, 117 pessoas mortas pela Polícia Civil e pela Polícia Militar não tinham denúncia do Ministério Público.
A OAB-RJ instalou um observatório para acompanhar a apuração e investigar eventuais violações legais durante a operação.

O alvo principal, Edgar Alves de Andrade, o “Doca”, apontado como líder do Comando Vermelho, segue foragido.

Levantamentos mostram a dimensão racial do território: 79% dos moradores do Complexo do Alemão são pessoas negras.

Para a pedagoga Mônica Sacramento, da ONG Criola, o 20 de novembro não deve ser tratado como simples comemoração.

“É uma data de memória, de luta e de análise profunda sobre tudo que atinge de forma avassaladora a população negra”, afirma.

A visão é compartilhada por estudiosos que apontam o legado escravocrata como base de práticas policiais atuais.

O economista Daniel Cerqueira, coordenador do Atlas da Violência, destaca que a política de segurança ainda reproduz estruturas coloniais.

Ele lembra que, antes mesmo da formação do Estado brasileiro, a ocupação do território tinha como base o uso sistemático da violência.

Segundo Cerqueira, ações como a da Penha e do Alemão só se tornam “imagináveis” em regiões de população majoritariamente negra.

“É impossível visualizar operação semelhante em locais como Copacabana, Ipanema ou Leblon”, diz.

O Atlas da Violência reforça o cenário: uma pessoa negra tem quase três vezes mais chance de ser assassinada do que uma pessoa branca.

A advogada e pesquisadora Raquel Guerra explica que a ausência de políticas de reparação e acesso a direitos após mais de 300 anos de escravidão consolidou um padrão de exclusão.

Para ela, a Operação Contenção tende a levar o Brasil novamente à Corte Interamericana de Direitos Humanos, repetindo precedentes de condenações em casos de chacinas anteriores.

A promotora Lívia Sant’Anna, do Ministério Público da Bahia, reforça que o 20 de novembro deve funcionar como marco de denúncia.

Ela afirma que a população negra continua exposta a uma política de segurança que naturaliza a morte como método.

Moradores das favelas, lembra, costumam sentir o Estado quase exclusivamente em situações de confronto armado.

Para a professora Juliana Kaizer, da UFRJ e PUC-Rio, operações desse porte geram efeitos duradouros.

Escolas fecham, serviços básicos param e estudantes abandonam a rotina escolar.
O resultado, aponta, são gerações vulneráveis ao analfabetismo funcional e à informalidade — ambiente marcado por baixa remuneração e falta de direitos.

Dados do Geni/UFF mostram que o padrão de ação policial também revela desigualdade:

  • 70% das áreas dominadas por facções registraram confrontos.

  • Em áreas dominadas por milícias, o índice cai para 31,6%.

Quando se analisa tiroteios em operações policiais:

  • 40,2% ocorrem em áreas de tráfico.

  • Apenas 4,3% em áreas de milícia.

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