Brasil e Mundo
Brasil é referência global em alimentação escolar

© Fernando Luiz Venâncio/Arquivo pessoal
ONU reconhece programa que atende 40 milhões de alunos com refeições nutritivas e inclusivas
Por Eliane Gonçalves – Publicado em 29/09/2025
O Brasil, muitas vezes, peca pela modéstia, como afirma Daniel Balaban, diretor do Programa Mundial de Alimentos da Organização das Nações Unidas (ONU) no Brasil. No entanto, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) merece todos os elogios. As Nações Unidas, por exemplo, reconhecem o PNAE como “um dos maiores e melhores projetos de alimentação escolar do mundo”.
Oficialmente, o projeto completou 70 anos, mas sua grande virada ocorreu a partir de 2009. Naquele ano, entrou em vigor a lei que redefiniu os parâmetros dos cardápios, priorizando refeições completas e reduzindo drasticamente o espaço de alimentos ultraprocessados, como biscoitos açucarados, nas escolas.
Em 2009, um ex-metalúrgico chamado Fernando Luiz Venâncio também mudou o rumo de sua carreira. Ele se ofereceu para cobrir as férias do cozinheiro de sua empresa e nunca mais se afastou das panelas. Hoje, ele chefia a equipe que serve as três refeições diárias para mais de 400 estudantes da Escola Johnson, uma instituição de ensino médio em tempo integral em Fortaleza, Ceará.
No cardápio, ele e sua equipe preparam pratos saborosos e regionais como baião de dois, carne picadinha, farofa de ovo e o famoso creme de galinha. Fernando garante que o creme de galinha é intocável. “O creme de galinha não posso trocar por nada”, diz ele.
Importante notar que o preparo evita ingredientes como creme de leite ou queijo. Essa restrição não é aleatória; ela garante que a comida atenda todos os estudantes, inclusive aqueles com restrições alimentares. A cozinheira não pode preparar um prato para alguns e outro para a maioria. Portanto, a refeição deve ser única, apreciada por todos e segura para consumo.
Nutrição, Lei e Agricultura Familiar
Não são os cozinheiros que definem o menu, mas sim o profissional de nutrição. “A nutricionista passa para a gente e a gente tem que trabalhar em cima do cardápio”, enfatiza Fernando. A presença de nutricionistas nas escolas é uma das exigências da lei de 2009, que transformou a “merenda” em uma refeição de fato.
As regras do PNAE são rigorosas:
- Os cardápios precisam atender às necessidades nutricionais específicas dos alunos.
- Devem estar conectados à cultura alimentar local.
- Priorizam alimentos preparados na própria escola.
- Restringem a presença de ultraprocessados a um máximo de 15%.
- Privilegiam os alimentos da agricultura familiar, exigindo um mínimo de 30% de alimentos com essa origem.
Apoio ao Campo
A conexão com a agricultura familiar gera um ciclo econômico positivo. Marli Oliveira, agricultora familiar em Ocara, no Ceará, afirma que 30% de sua produção vai para o PNAE. Mel, ovos, carnes e outros produtos garantem a renda, especialmente nos municípios menores. “A venda garantida para as escolas faz diferença na vida do agricultor, principalmente nos pequenos municípios”, explica Marli.
O impacto econômico é claro. Um levantamento do Observatório da Alimentação Escolar (OAE) mostrou que, para cada R$ 1 investido pelo PNAE na agricultura e pecuária familiar, o Produto Interno Bruto (PIB) nacional cresce R$ 1,52 na agricultura e R$ 1,66 na pecuária.
Uma notícia promissora é que a participação da agricultura familiar no PNAE pode subir para, no mínimo, 45% a partir de 2026. O Congresso Nacional aprovou esta alteração, que aguarda sanção presidencial.
Referência Global e Combate à Fome
Entre os dias 18 e 19 de setembro, o Brasil sediou a 2ª Cúpula da Coalizão Global pela Alimentação Escolar, reunindo representantes de mais de 90 países. O Brasil é um modelo de cooperação, treinando nutricionistas de outros países, como São Tomé e Príncipe. A ministra da Educação do país africano, Isabel Abreu, contou sobre a formação online e o apoio presencial de nutricionistas brasileiras por três anos.
Hoje, o PNAE atende 40 milhões de estudantes todos os dias, desde a creche até a Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Daniel Balaban, da ONU, ressalta a importância social do programa: “O programa ajudou o Brasil a sair do Mapa da Fome da ONU”. Para muitos desses 40 milhões de alunos, a refeição servida na escola é, inclusive, a principal do dia.
Desafios a Superar
Apesar do reconhecimento mundial, a gestão diária do PNAE está cercada de desafios. Em 2025, o programa teve um orçamento de R$ 5,5 bilhões. Contudo, o repasse diário por aluno é baixo: variou de R$ 0,41 (EJA) a R$ 1,37 (creches e ensino integral). Além disso, os valores ficaram congelados por cinco anos antes do último reajuste, em 2023.
Outra dificuldade é que estados e municípios precisam complementar o valor com recursos próprios, mas nem sempre o fazem. O OAE revela que mais de 30% dos municípios das regiões Norte e Nordeste deixam de aplicar essa complementação.
Albaneide Peixinho, presidente da Associação Brasileira de Nutrição (Asbran), aponta para um problema conceitual. “Infelizmente, a visão que a maioria dos gestores ainda tem é de que o programa se chama ‘merenda’”. Eles o entendem como um programa assistencialista, e não como parte essencial da educação.
Entretanto, o PNAE é mais do que assistência. “Esse é um programa pedagógico de promoção à saúde”, lembra Albaneide, que coordenou o programa por 13 anos. A formação de hábitos saudáveis é tão vital quanto a refeição em si, pois contribui diretamente para a melhoria do ensino-aprendizagem. Mesmo sendo uma referência global e estando amparado pela Constituição, “ainda há muito a avançar” para garantir sua plena execução.


