Valinhos

“Flexibilizar quarentena seria irresponsabilidade”, afirma prefeito

“Com certeza a vida tem que vir antes da economia”, diz prefeito ao negar possibilidade de flexibilização da quarentena

Em entrevista exclusiva à Folha de Valinhos, Orestes Previtale (DEM) reforça que Valinhos continuará seguindo fielmente todas as determinações do Governo do Estado
Durante a última semana, enquanto cidades da região foram advertidas e obrigadas pela Justiça a retroceder em ações de flexibilização da quarentena, representantes de associações comerciais e vereadores de Valinhos pressionaram a Prefeitura, pedindo que o Governo adotasse medidas que colaborassem com a reabertura gradual do comércio na cidade.
Diante do cenário, o prefeito Orestes Previtale (DEM) se manteve firme e garantiu que Valinhos continuará seguindo à risca as determinações do Governo do Estado, que impedem qualquer tipo de flexibilização neste momento.

Em entrevista exclusiva à Folha de Valinhos, o chefe do Executivo reforça essa posição e fala sobre as ações de combate ao coronavírus adotadas no município.

Sabemos que o senhor, assim como muitos prefeitos e o governador, está recebendo grande pressão para a flexibilização da quarentena, tanto de lideranças do comércio como de alguns vereadores. Além de prefeito, o senhor também é médico. Em que a flexibilização poderia comprometer o que até agora foi realizado de positivo para conter a pandemia em Valinhos?
Precisa ficar muito claro que a minha posição de manter o isolamento social e nossa cidade é baseada em ciência, em conhecimento na área de saúde. Eu não inventei isso nem estou fazendo nada para prejudicar ninguém. Estou seguindo as determinações do Governo do Estado de São Paulo. Todas as cidades que anunciaram flexibilização tiveram que voltar atrás. Além disso, tudo que temos feito nesse sentido tem sido alinhado com o Ministério Público e com base na ciência, nas questões técnicas. Flexibilizar agora pode colocar tudo que fizemos até agora a perder. Colocaria em risco a nossa população. A minha família, a sua família.

Esta semana os vereadores que retomaram as sessões ordinárias no plenário da Câmara teceram muitas críticas a essa sua postura inflexível em relação a quarentena, sobretudo defendendo a retomada do comercio e da economia. Na sua opinião a vida está à frente da economia?
Com certeza a vida tem que vir antes da economia. Estou ciente da situação do comércio, da dificuldade que as empresas estão atravessando. É um momento delicado e eu me preocupo com isso, mas como médico eu tenho que priorizar o cuidado com a saúde da nossa gente.

Caso o senhor viesse a ceder e flexibilizasse a abertura do comércio e, assim como está acontecendo em algumas cidades de Santa Cantarina, como Blumenau, ou no Rio de Janeiro, onde o relaxamento fez com que os números de casos aumentassem em mais de 100%. Valinhos estaria com seu sistema de saúde preparado para segurar esse impacto?
O sistema de saúde de Valinhos ainda consegue suportar a demanda da pandemia. Penso que graças a tudo que nós já fizemos, a criação do comitê de enfrentamento, ao decreto de calamidade pública, a todas as medidas já adotadas, e principalmente graças ao apoio da nossa população ao nosso apelo pelo isolamento. Se a gente não tivesse adesão ao isolamento, ou se ele tivesse sido feito mais tarde, duas semanas depois, acredito que hoje teríamos muito mais casos e nosso sistema de saúde estaria em risco. E é exatamente por isso que eu insisto em mantermos o isolamento por mais um tempo para reduzirmos ainda mais esses riscos.

 

"Se a gente não tivesse adesão ao isolamento, ou se ele tivesse sido feito mais tarde, duas semanas

depois, acredito que hoje teríamos muito mais casos e nosso sistema de saúde estaria em risco"

Os prefeitos de Vinhedo, Indaiatuba e Limeira baixaram decretos flexibilizado a quarentena e na sequência a Justiça determinou que eles fossem revogados. O prefeito Jonas Donizete chegou a apresentar um Plano de retomada gradual do comércio, mas não teve o aval do governo do Estado, pois a maior preocupação é com o avanço do coronavirus rumo ao interior e ao agravamento da situação nessas cidades. Tais decisões mostram que não cabe ao prefeito flexibilizar. Na sua opinião esses exemplos não seriam suficientes para convencer essas pessoas que querem a abertura do comercio?
Eu entendo a angústia do setor produtivo, do comércio, da indústria, das empresas prestadoras de serviço. É uma angústia justificável, e a gente sabe disso. Mas nesse momento eu acho que os números da doença no Brasil e principalmente no Estado de São Paulo, na Capital, são muito, mas muito preocupantes. Estamos a 80 km do epicentro da doença no Brasil. As milhares de mortes mostram que isso está cada vez mais perto e nos colocam em alerta. Espero que nossa população possa entender de fato essa questão. 

No último dia 23 de abril, o promotor Denis Henrique Silva, da 4ª Promotoria de Justiça de Valinhos, na análise de um pedido feito pela presidente da Câmara, Dalva Berto (MDB), em nome de alguns pastores, visando a flexibilização para a abertura das Igrejas, afirma: “Nunca se poderá comparar as condutas das gestões de um município a outro, para as flexibilizações e liberações, aliás, somente com embasamento em evidências cientificas e análises  técnicas sobre as informações estratégicas em saúde……não há que se falar em qualquer flexibilização, por ora, no município de Valinhos, afirma em seu despacho. Ou seja, a medida adotada pelo promotor poderia ser a mesma a ser adotada, caso o senhor baixasse um decreto de flexibilização?  
A atividade religiosa foi considerada recentemente pelo presidente da República como essencial, e dessa forma ela poderia ser realizada, desde seguidas algumas regras. Mas nossa equipe técnica, e eu me incluo nessa lista, acha que não é momento para a abertura das igrejas. Devemos evitar aglomerações, devemos evitar contato com outras pessoas, devemos preservar os mais idosos. Alguns pastores, liderados por vereadores que estão usando a pandemia como trampolim político, acreditam que eles devem abrir, e então essa discussão está sendo feita pelas igrejas com o Ministério Público, mediante a assinatura de um termo de conduta. Nossa orientação é por manter todos os procedimentos religiosos, de qualquer denominação, de forma digital, pela internet.

As lideranças do comércio alegam falta de diálogo da sua parte. Mas no dia 20 de março o senhor recebeu os presidentes da ACIV e da UCSV para discutir algumas restrições para o funcionamento do comercio. Contudo, no dia 22 foi decretada quarentena que mudou tudo. Flexibilizar na sua opinião, em um ano de eleição, seria algo como fazer o que é mais cômodo em detrimento da segurança e da saúde?
Primeiro tenho que esclarecer que não dá para falar em eleição em um momento como esse, no qual todo o nosso esforço está centrado em prevenção de uma pandemia, em cuidar da saúde da nossa gente. Assim como não dá para aceitar que políticos façam uso dessa pandemia para aparecer e para ganhar palanque eleitoral. Isso eu não admito. Eu já disse que entendo que o comércio está passando por uma crise tremenda, mas não é hora de abrir a cidade novamente. Se fizermos isso estamos correndo um risco muito sério de expor nosso sistema de saúde e de colocá-lo em colapso.

"Eu entendo o que comércio está passando, mas não é hora de abrir a cidade novamente. Se fizermos isso

estamos correndo um risco muito sério de expor nosso sistema de saúde e de colocá-lo em colapso"

O senhor foi um dos primeiros prefeitos da Região Metropolitana de Campinas – RMC –  a tomar a decisão num primeiro momento – 16 de março – em decretar Estado de Emergência e logo na sequência decretou Estado de Calamidade Pública – 19 de março – e seguiu o governo do Estado na decretação da quarentena, no dia 22 de março. O senhor que também é médico, avalia que essas medidas foram acertadas e colaboram para que Valinhos esteja conseguindo manter a curva da pandemia em situação aceitável?
Sim, acertamos em muitas das nossas decisões. Saímos na frente. Mas a curva não está em nível aceitável, ela é muito preocupante, há muita subnotificação e acreditamos que o número de pessoas afetadas pelo coronavírus seja muito maior do que o que temos de registro.

Valinhos foi a primeira cidade na RMC a adotar medidas para o enfrentamento da pandemia, isso ainda nos dias 5 e 6 de fevereiro, com ações educativas e o treinamento da equipe de saúde, antes mesmo da decretação da pandemia pela OMS e da quarentena pelo Governo Estadual. O senhor acredita que isso ajudou Valinhos a se preparar para que o sistema de saúde não entrasse em colapso?
Estamos nos preparando desde que a doença surgiu, na China, no ano passado. A gente sabia do risco de se espalhar pelo mundo, a gente estava atento ao cenário internacional. A partir daí, a tomada de decisão foram naturalmente acontecendo conforme a coisa foi se aproximando.

Também por sua iniciativa foi criado no dia 28 de fevereiro, quase um mês antes da decretação da quarentena, o Grupo de Trabalho intersetorial para combater coronavírus no município, a primeira cidade da RMC a fazer isso. O senhor respeita as orientações e recomendações desse grupo?
O comitê é composto por médicos e técnicos da saúde e se reúne diariamente para discutir o avanço da doença na cidade e na região, até em São Paulo. Estamos muito atentos, eles estão em contato com profissionais em outras cidades, outros estados, com o Ministério Público, o Ministério da Saúde, a OMS, o Estado. Tudo para ter a maior quantidade possível de informações e nos abastecer para tomar as decisões. Tudo que a gente faz sai desse grupo, são pessoas de várias secretarias e da Saúde. As decisões sempre são de caráter técnico, e não político.

Mesmo não havendo flexibilização, percebemos que andando pelas ruas e praças da cidade ou mesmo olhando o transito, tem gente que não está ligando muito para as recomendações dos técnicos da área da saúde. Na sua opinião, isso pode colaborar para que os números de casos confirmados possam aumentar?
O ideal é que todos sigam as recomendações e a quarentena e que só os serviços essenciais fiquem abertos. Tudo que estiver sendo feito que não seja dessa forma coloca em risco nossa cidade, as nossas famílias, a nossa população, e eu insisto para que as pessoas tenham consciência disso não só por elas, mas por todos nós.

Valinhos registra hoje cinco óbitos por Covid 19, sendo que o primeiro registro foi confirmado no dia 27 de fevereiro. Como prefeito como o senhor lida com esses relatórios que apontam casos confirmados, leitos de UTI utilizados e, especialmente de mortes?
Para mim, como médico e ser humano, dói muito saber que temos pessoas morrendo aqui na cidade, assim como me dói ver as mortes se espalhando por todo o Brasil. Há famílias por trás de cada um desses casos. Na saúde precisamos ser fortes para encarar esses números e esses fatos no dia a dia, e é isso que temos feito. Tentamos nos manter fortes. Temos uma equipe de saúde muito qualificada e que está nos conduzindo de forma brilhante nesse momento delicado, tenho que agradecer a cada uma dessas pessoas.

"Para mim, como médico e ser humano, dói muito saber que temos pessoas morrendo aqui na cidade, assim

como me dói ver as mortes se espalhando por todo o Brasil. Há famílias por trás de cada um desses casos"

Recentemente o Senhor determinou a ampliação de leitos para Covid 19 no município, criando 28 novos leitos. Valinhos está preparada para uma situação mais grave dessa pandemia?
Nenhuma cidade está preparada para um colapso na saúde. Veja os exemplos de cidades de Primeiro Mundo, como Nova York, por exemplo. Não tem como oferecer leitos para todos que precisam de uma UTI quando a coisa aperta e entra em colapso. Na média, uma pessoa internada fica 15 dias na UTI com a covid-19, ou seja, cada leito nos permite atender apenas duas pessoas por mês. Duas pessoas. Nós temos mais de 129 mil habitantes. Se 1% deles ficarem doentes no mesmo mês, seriam 1.290 pessoas. Não existe a menor possibilidade de atender toda essa gente em um mês se cada um ficar 15 dias internado na UTI. É disso que se trata toda essa campanha pelo isolamento social.

Como médico, como o senhor vê atuação dos profissionais de saúde, de segurança e de serviços gerais, que estão na frente da batalha para que a população possa ficar em casa?
Só temos que elogiar o trabalho dessas pessoas. São eles que fazem a coisa andar. É um trabalho de risco, de linha de frente. Quero deixar meu agradecimento e minha homenagem a cada médico, enfermeiro, auxiliar, administrativo, guarda municipal, motorista… a cada um que da sua forma está nos ajudando e cuidando da nossa gente.

Valinhos realizou neste mês de abril uma grande ação social junto às escolas do município, incluindo creches conveniadas e contratadas e distribuiu cerca de 12,5 mil kits de alimentação e limpeza para as famílias de alunos matriculados na rede municipal. Como a Prefeitura está cuidando das famílias em situação de vulnerabilidade social?
Nos preocupamos muito com essa parcela da população. Muitas dessas famílias têm na merenda escolar uma referência alimentar para seus filhos, e a suspensão das aulas causou um problema a mais para cada uma dessas pessoas. Por isso destinamos parte dos recursos da merenda para oferecer kits de alimentação, higiene e limpeza para que essas famílias pudessem se estruturar melhor para passar por tudo isso.

Cite alguma ação concreta adotada pela Prefeitura que o senhor acredite que faça a diferença nesse momento.
A criação de um pronto-socorro infantil, ginecológico e obstétrico, na Vila Sabtana, no prédio do antigo Cemap, nos deu um ganho muito importante na saúde. Separamos crianças e gestantes do público em geral que vai à UPA em busca de atendimento pelo coronavírus. Isso reduz o risco de essas pessoas contraírem a covid-19 e protege essas faixas da população, que geralmente precisam de mais cuidado. Assim como fizemos com os idosos, outra faixa que merece atenção especial, na vacinação contra a gripe. Eles foram vacinados fora das UBSs, em estruturas alternativas, e também num drive thru dentro de seus carros. Além disso, estamos preparando leitos de retaguarda no antigo CAUE (hoje CEV 1, no Centro) para dar suporte à rede de atendimento da doença na cidade. Isso é outro ganho importante e amplia a capacidade de atendimento do nosso setor de saúde.

 

 

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