Fanzine

O Contador de Estrelas

Dezesseis. Esse era o número de estrelas que ele havia contado no céu limpo daquela noite fria de outono. Dezesseis estrelas pelo centésimo vigésimo quinto dia. Lembrava-se ainda perfeitamente do dia em que seu número passara do quinze para uma unidade acima. Havia outras centenas de pontos brilhantes no céu, mas era no dezesseis que ele pararia. Por mais uma noite.
Permaneceu sentado no banco de madeira observando a imensidão ainda escura acima de sua cabeça. O mar a sua frente preenchia o silêncio com suas ondas infinitas que iam e vinham. Aparentemente não havia sequer uma alma viva naquele parque senão ele. Não demoraria muito tempo até que o Sol apresentasse seus primeiros indícios do amanhecer.
– Por que o senhor está sempre por aqui a essa hora da madrugada?
Ele não fez questão de ver a voz feminina que pronunciara aquelas palavras, mas certamente era ele a quem se referia. Pelos últimos dois anos, ele se sentava naquele banco todas as madrugadas e passava o resto de sua noite olhando para cima. A silhueta permanecia em pé ao seu lado. Abaixou a cabeça e fixou o olhar no mar.
– Gosto de contar estrelas.
– E por que faz isso todos os dias no mesmo horário? – Ela voltara a perguntar.
– O que você faz aqui a esse horário? – Ele perguntou ainda sem olhá-la.
– Gosto de caminhar pela cidade durante a madrugada. É tudo diferente quando não há a correria das pessoas dominando as ruas. – Ela se manteve em silêncio por alguns segundos. – Posso me sentar?
Ele não respondeu, mas ela mesma não teria esperado por uma resposta. Sentou-se rapidamente ao seu lado, deixando um pequeno espaço por entre seus corpos.
– Engraçado é encontrar outros loucos que se arriscam a passar a noite fora. Como o senhor, sabe? – Ela comentou.
Ele não se ofendeu com o comentário, mas tampouco fez questão de se entusiasmar com a conversa. Gostava da madrugada porque não tinha companhia de outras pessoas inconvenientes como aquela jovem ao seu lado.
– O senhor passa as madrugadas aqui até mesmo na chuva. Por que gosta tanto de contar estrelas?
Ele suspirou incomodado com a intromissão em sua vida.
– Você não entenderia – ele respondeu de maneira seca. – E como sabe que estou sempre por aqui?
Algumas gaivotas decidiram se pronunciar, indicando que em alguns minutos o dia começaria a clarear.
– Ah, eu sempre passo por aqui para ir para casa e sempre o vejo por aí. Moro aqui perto com os meus pais.
Ouvir aquelas palavras pareceu acender uma faísca dentro do homem. Ela morava com os pais. O interesse que ele sentiu pela jovem surgiu instantaneamente dentro de si. Virou-se rapidamente para ela, vendo finalmente suas feições. Era jovem, de fato. Provavelmente estudante, cursando a faculdade. Ela não era bonita, mas permanecia calma e sorridente.
– Eu já fui pai – ele começou a dizer, sem conter um sorriso fraco em seu rosto. Gostava de contar essa história sempre. – E já fui casado também.
Ela o olhou parecendo interessada em sua história.
– Mas a vida é injusta. Elas não estão mais aqui. Já faz um ano e onze meses desde o acidente de carro. Sempre nos tiram aqueles que mais amamos. – Ele a olhou com o olhar triste. – Me sinto mal ao falar disso. Mas não se preocupe. Não vou deixar que isso também lhe aconteça. Ninguém merece sentir a dor da perda. – Ele observou sua reação. – Pode me dar um abraço?
Ela o olhou surpresa, provavelmente por sua mudança de humor e interesse repentina. Mas pareceu não hesitar ao se aproximar para abraçá-lo.
Ele pousou suas mãos nas costas da jovem e tranquilamente as deslizou até alcançar seu pescoço. Seus punhos lentamente tomaram forma e ele fechou as mãos cuidadosamente, ignorando cada grito de sufoco da jovem. Em alguns segundos, seu corpo relaxou e a garota caiu dura no banco.
Ele olhou satisfeito para ela. Estaria fazendo um favor para todos impedindo que aquela garota sofresse por algum dia perder alguém que amava, assim como ele sofrera quando sua família se fora. Afinal, o que ele fizera era uma boa ação. Sempre era.
Sentado no banco com um defunto ao lado, ele observou o sol nascendo. Na madrugada seguinte voltaria à praça e contaria novamente as estrelas. Mas dessa vez, depois de cento e vinte e cinco dias, seriam dezessete.

 

Bruna Lima

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