Alternativa

Wilson Vilela entrevista o multiartista Flávio de Carvalho

Às vésperas do aniversário de 121 anos do artista, a Folha de Valinhos reproduz matéria publicada há 53 anos

Em 19 de dezembro de 1967 a edição do jornal “O Município” trazia em suas páginas uma entrevista exclusiva com o multiartista valinhense Flávio de Carvalho, que completaria 121 anos nesta segunda-feira, dia 10 de agosto.

A entrevista foi realizada pelo advogado e ex-secretário de Assuntos Jurídicos da Prefeitura de Valinhos, Wilson S. Vilela, que mantinha relação de amizade muito próxima com o artista. Foi através de Vilela, inclusive, que Flávio de Carvalho chegou a ser presidente da Comissão de Artes Plásticas do Conselho Municipal de Cultura de Valinhos. 
Como forma de homenagear os 121 anos do artista, a Folha de Valinhos traz com exclusividade a reprodução da entrevista publicada há cerca de 53 anos.

Por Wilson S. Vilela

Tive a oportunidade de manter um agradável bate-papo com uma das pessoas que no meu modesto entender qualifico como uma das personalidades mais versáteis que até hoje conheci.
Para identificação desse personagem cito apenas um fato: – prêmio Brasil da Bienal São Paulo. Ei-lo identificado: Dr. Flávio Rezende de Carvalho, um dos artistas mais comentados e discutidos em nossa época.

Pessoa que a primeira vista pode parecer introspectiva, mas que é o contato revela-se como um manancial de conhecimento e experiência pronto a transbordar se soubermos ligar um “ponto chave” em seu íntimo. Educado, revela em seu modo de ser, a pessoa que está acostumada a ver seus semelhantes o que eles realmente são e não o que representam.

Sua profissão: Engenheiro-civil, formado pela Universidade de do Durham, Londres, Inglaterra. Estranhando o fato de ter sido diplomado por uma nação estrangeira a pergunta surgiu de imediato: – seria esnobismo de sua parte, ser diplomado na Inglaterra?
Explicou então que costumava correr o mundo e vir e, que seu interesse era formar-se pela Universidade de Sorbonne, França. Entretanto, dirigiu-se à Inglaterra com fim de aperfeiçoar o seu inglês. Lá chegando, eclode a guerra mundial. Torna-se difícil sua volta a França. Resolve então, entrar para universidade de Durham onde diplomou-se engenheiro civil.

Dr. Flávio de Carvalho quais foram as suas obras em arquitetura que firmaram o seu nome comum dos arquitetos mais discutidos no Brasil e fora dele?
A primeira manifestação de arquitetura moderna no Brasil é de minha autoria. Foi o palácio do governo do estado de São Paulo em 1927, a 40 anos atrás e, que foi uma obra muito discutida pela imprensa, provocou um grande escândalo e era um Palácio fortificado. Eu pretendia com isso garantir a permanência dos presidentes de estado no governo porque nessa época quando as revoluções tomavam um palácio do governo a nação considerava ser tomada. Hoje já não é mais assim. E, as outras manifestações arquitetura moderna são a embaixada argentina no rio, em 1928. Depois disso ao farol de Colombo, em 1928 também, que era um concurso internacional em que tomavam parte de alguns milhares de concorrentes e no qual eu recebi uma menção honrosa. Posteriormente, Entrei em muitos concursos de grandes edifícios no Brasil e, o Palácio da municipalidade do estado de São Paulo, que entrei em diversos concursos houve três ou quatro deles. Eu fui premiado em dois deles em segundo plano. Depois entrei num concurso da nacional em Washington no qual não fui contemplado. Também entrei em outros concursos E o mais recente de todos foi o projeto do teatro Municipal de Campinas, que também não fui contemplado, mas no qual eu apresentei uma solução estrutural nova, que a meu ver seria econômica, mas tenho a impressão que o júri teve receio de contemplar uma ideia tão nova assim: – O teatro era tudo suspenso por cabos concêntricos sendo que qualquer cabo poderia ser substituído mesmo durante o espetáculo se fosse necessário. Depois disso não entrei mais em outros concursos. No passado, poderia citar mais, mas não me lembro no momento.

Quanto à sua casa, Dr. Flavio é realmente uma obra de moderníssima arquitetura. Como o senhor recebeu as críticas dos arquitetos na ocasião quando a construiu, diante uma obra de tamanho avanço arquitetônico?
Bem, essa minha casa aqui em Valinhos foi construída há 30 anos atrás. E, o público da região chamavam lá de casa-avião, não sei bem porque, talvez por causa das varandas laterais que dão a impressão de asas de avião, mas não é nada de avião pois é uma estrutura do gênero pesado mais do que do gênero leve. Agora opinião por fora eu não sei bem poucas são as pessoas que vieram aqui realmente, algumas vieram, mas são pessoas que representam opinião restrita.
Dr. Flavio é também literato. E eu não poderia deixar aqui nessa entrevista isso passasse em branco. É autor de vários livros, em que pesquisar o comportamento das massas quando desprestigiadas ou desrespeitadas.

Dr. Flavio soube que dentre as experiências que realizou, houve uma em que o senhor saiu de saiote pelas ruas de São Paulo. Como foi isso?
Em 1956, após ter feito uma longa investigação na história da indumentária do homem, cheguei a certas conclusões fundamentais e que estão contidas no livro que escrevi e que foi publicado pelo Diário de São Paulo durante um ano aos domingos, e que chamava-se (explica que mudou o nome da obra) “Dialética da moda”, e que trata dos motivos que levam as grandes mutações da moda através da história. Agora, O saiote, veio posteriormente. Logo após esses estudos, pediram-me que projetasse um trajo de acordo com o clima quente. Então, eu projetei um trajo de verão porque a indumentária ocidental atual, importada da Europa, que é a nossa calça, paletó e colete é imprópria para os dias de maior calor. E eu projetei um trajo, baseado em questões puramente técnicas estéticas também constituído de um blusão e um saiote com válvulas de ventilação que é o movimento do caminhar eram ativadas renovando o ar entre o tecido e o corpo. Provoquei com isso, ao caminhar pelas ruas de São Paulo, um choque emocional na população, o que demonstra que se pensassem melhor aceitariam o fato calmamente, visto as razões expostas. Penso ainda, que a indumentária do homem de amanhã será o saiote.

Prosseguindo, perguntei ele como aceitou sua premiação na Bienal.
Surpreso. Entretanto, apenas limitei-me a fazer pintura feita com pincel e tinta, em aquarela ou em branco e preto, na última Bienal.  Eu fiz pintura mesmo. Eu não nego valor das diferentes manifestações que existem hoje em dia dos diferentes ismos. Todos eles têm uma importância muito grande, principalmente do ponto de vista sociológico, de maneira que eu respeito todas essas manifestações. Agora, o que eu acho é que nem todas elas são obras de arte, frequentemente são fúteis ou mesmo inúteis de um modo geral, mas tem uma utilidade social importante. Eu sou de opinião, olhando para a Bienal estrangeira e nacional, que existe uma volta ou figurativo, mesmo os concretizas demonstram isso, a “pop-art” também demonstra claramente que existe uma volta a figura do homem e aos objetos que ser com sua vida diária.

Em sua análise pessoal, como classificaríamos sua pintura?
O meu gênero da pintura é figurativo. Eu classifico como surrealista-expressionista. É como eu classifico presentemente. Essencialmente expressionista, mas com tendências ao surrealismo. Final aliás eu faço coisas abstratas, principalmente quando estão ligadas à arquitetura.

Atualmente, quais os países que tem em suas galerias, suas obras?
Posso citar alguns, pois no momento é me difícil recordar de todos. A galeria de Arte Moderna de Roma, o Museu de Arte Moderna de New York, o Museu de Arte Moderna de Paris, o Museu de Moscou. No Brasil, o Museu de Arte Moderna de São Salvador, na Bahia, o Museu de Arte Moderna de São Paulo, o Museu de Arte Brasileira de São Paulo, o Museu de Campos do Jordão.

Qual seria sua definição sobre a juventude de hoje, como está o seu proceder, ao seu modo, às suas manifestações.
Eu tenho um grande apoio da juventude de hoje. Final eu noto que existe um grande interesse educacional, mental na juventude de hoje, o que é muito importante, pois são esses que vão governar o país amanhã. Essa turbulência mental da juventude de hoje deve ser considerada como fator importante e não como um fator depreciador. Atividade cultural da juventude atual é bem diferente da época de 1930. Entretanto, não encontra muito campo pois a falta de vagas existentes em nossas faculdades em imperdoável, o que reduz sobremaneira o entusiasmo dos jovens.

Aceitaria um cargo público em que pudesse realmente exercer as funções de engenheiro literato ou pintor?
Absolutamente. (Foi categórico). Nem poderia, (ri com gosto). Como sabe, dedico-me mais a esfera de pesquisador literário e, publicarei um novo livro no próximo ano. Isso toma-me todo o tempo. (Vários convites recebidos foram gentilmente recusados, isso pelo que soube mais tarde).

Dr. Flavio creio que alonguei demais a entrevista. Apenas uma última pergunta: – Pela sua vivência, considera-se realizado?
Sorrindo: – Creio que ainda estou em trânsito.
Agradeço e despeço-me deste personagem que frequentemente a manchete de revistas nacionais e internacionais. Mas agora sei porque preocupasse tanto com ele. É porque ele é realmente o que merece. É porque ele tem muito desse para dar. E nós, temos muito para receber.

Flávio de Carvalho


Flávio de Rezende Carvalho nasceu em Amparo de Barra Mansa, no Rio de Janeiro, em 1899, e escolheu Valinhos para morar, onde também realizou a maior parte de suas obras, entre elas a construção da casa modernista, em 1938, onde morou por 35 anos. Ele faleceu no dia 4 de junho de 1973 e está sepultado no Cemitério São João Batista, em Valinhos. Pioneiro da arquitetura moderna brasileira, pintor desenhista, escritor, Flávio de Carvalho estudou na Inglaterra e sempre se distinguiu pelo arrojo e pelo ineditismo de sua atuação. Foi um inovador, acostumado, desde o princípio, a nunca pisar caminhos já sulcados.

Sua originalidade revelou-se, por exemplo, no Bailado do Deus Morto, quando realizou cenários luminosos para uma sinfonia coreográfica de seu amigo Camargo Guarniere. Ou ainda em sua tentativa de impor, aos brasileiros, um traje mais adequado ao clima do país, desfilando com um saiote pelas ruas de São Paulo. Grande pintor e desenhista ligado ao Expressionismo, teve na figura humana seu tema favorito, sendo famosos os retratos que fez de personalidades da vida cultural brasileira, como Mário de Andrade e José Lins do Rego. Mas foi nos desenhos da Série Trágica, realizados junto ao leito de morte de sua mãe, em 1947, que Flávio de Carvalho atingiu o auge de sua arte.

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