Alternativa

Valinhos e o tímido engajamento na luta pelos direitos das minorias

A morte de George Floyd, nos EUA, reascendeu debates sobre a violência policial no Brasil e despertou – em pessoas de várias partes do mundo – a consciência de que a luta contra o racismo ainda tem uma longa jornada pela frente.

De acordo com notícias da última semana, Thomas Lane, um dos quatro agentes envolvidos na morte de Floyd, pagou fiança de US$ 750 mil, e deixou a prisão. Já o policial Derek Chauvin – principal responsável pelo crime – pode receber aposentadoria de US$ 1,5 milhão, mesmo que seja condenado. As informações são de reportagem da rede americana CNN.

A fiança em troca da liberdade – que para muitos coloca em xeque o quanto vale uma vida – também esteve em pauta no Brasil nos últimos dias, quando a primeira-dama de Tamandaré (PE), Sarí Côrte Real, foi liberada após ser presa em flagrante acusada de ser responsável pela morte do pequeno Miguel Otávio Santana da Silva, de apenas cinco anos. Para responder em liberdade, Sarí pagou fiança de R$ 20 mil. Segundo as investigações, a acusada agiu com negligência e vai responder por homicídio culposo, quando não há a intenção de matar.

Apesar dos casos acima – entre muitos outros – terem causado indignação e ações de protestos em diversas cidades do Brasil e do mundo, a realidade parece não ecoar em Valinhos. Para o professor e membro e da Associação Cultural Afro-Brasileira de Valinhos, Josué Roupinha, o engajamento da população valinhense no que diz respeito a luta pelos direitos das minorias é tímido e, em muitas vezes, chega a ser inexistente. “Entendo que a população chega a viver dentro de uma bolha e é na maioria das vezes omissa frente as lutas das minorias, seja em relação ao racismo, ao machismo, a LGTBfobia.

Para Roupinha, a falta de apoio afeta diretamente os movimentos que começam a surgir na cidade. “Já tivemos casos de movimentos antirracismo e LGBTs que começaram aqui, mas como não encontram apoio migraram para Campinas. A verdade é que não enxergamos um real engajamento da população e vemos que as pessoas depositam em determinados grupos como a Associação Cultural Afro de Valinhos, ou alguns movimentos LGBTs que possam ter na cidade, a responsabilidade de lutar pelos seus direitos sem que eles tenham apoio da população de um modo geral. Como consequência, as pessoas dentro da cidade que lutam por esses direitos acabam não tendo voz o suficiente para alcançar os objetivos, justamente por não ter o apoio da população em massa”, afirma.

De acordo com Roupinha, essa afirmação não deve ser entendida como uma crítica, mas como um convite para que as pessoas se interessem mais e sejam mais ativas nestas lutas. “A luta dos negros pode não ser a sua, mas talvez a LGBT seja, ou a das mulheres que enfrentam crescentes números de violência e – assim como os negros – discriminação no mercado de trabalho, entre tantas outras batalhas. Se engajar na luta pelos direitos das minorias é também defender cada membro de sua família, que em algum momento pode precisar de novas leis ou políticas públicas que o defendam”, ressalta o professor.

Para a vice-prefeita de Valinhos, Laís Helena, embora prevaleça no país a ideia de que não existe preconceito contra os negros e seus descendentes, o fato é que o assunto ainda não foi superado. “Eu acho que ainda vai demorar muito para ser superado. O preconceito é estrutural e institucional, todos nós sabemos. Acontece no dia a dia, em diversas partes do país, em diversas cidades. O negro e o mestiço dificilmente vão conseguir se igualar ao homem branco se seguirmos da maneira como as coisas vem acontecendo”, afirma.

Em 2016, Laís Helena ganhou as eleições como vice-prefeita e se tornou a primeira mulher negra a ocupar o cargo. Anteriormente, Laís foi eleita vereadora por três vezes e chegou a ser suplente em uma quarta legislatura.

Com relação ao engajamento da população valinhense na luta contra o racismo, Laís ressalta que a não ser o movimento da Associação Cultural Afro-Brasileira de Valinhos, não houve nos últimos dias nenhuma ação significativa no município. “Eu não vi outro movimento. No que diz respeito a Associação, eles estão se movimentando, se organizando, conversando, promovendo algumas coisas. A nível de Câmara Municipal, até agora não vi nenhuma atitude concreta, porque eu vejo que para mudar alguma coisa estruturalmente, você tem que pensar em projetos que vão fazer a promoção dessa classe. Da classe negra. E é necessário que se faça isso”, ressalta.

A vice-prefeita reforça ainda que a nível nacional o que se observa é um alto número de mortes de jovens negros, diferença salarial e falta de oportunidades. “Você não vê negros ocupando cargos em alto escalão. Somos 114 milhões de brasileiros negros. Será que ninguém tem capacidade para ocupar cargos de alta relevância? Essa é uma grande indagação. Com relação a posição de Valinhos, talvez não haja um movimento exponencial porque tem uma vice-prefeita negra, eleita não só pelos negros, mas por grande parte da população branca. Mas, aí, eu conclamo essa população a dar um novo olhar para estas questões. Quando a gente fala do negro a gente fala das minorias também, não é só o negro que não tem oportunidade. Então, o que eu peço e o que eu acredito é que os jovens precisam se engajar nessa transformação de pensamento, até para a criação de políticas públicas, precisam se movimentar para que transformar essa sociedade”.

Sobre os casos que movimentaram o país e o mundo nos últimos dias, Laís conta que para ela, assistir a morte de Jorge Floyd chegou a ser algo insuportável. “Foi chocante, eu não conseguia ver. Eu passava mal toda vez que eu olhava aquela imagem, de um homem branco pisando no pescoço dele, como se fosse um animal, e ele pedindo por socorro e outras pessoas observando e não tomando nenhuma atitude. Para mim foi uma imagem muito forte, que me deixou muito mal mesmo ao analisar tudo isso. Nós estamos no século XXI, é inconcebível que aconteçam fatos como este”.

Com relação a ação política, a vice-prefeita reforça que no mês de maio, a Prefeitura promoveu um seminário, justamente para colocar no calendário escolar a questão afrodescendente. “Foi um curso que aconteceu na Fonte Santa Tereza durante um dia inteiro para 700 professores e com certeza eles puderam auferir muitas coisas boas daquele curso. É uma questão que precisa ser levada para dentro das escolas para gerar mudanças concretas na nossa sociedade”.

Além de vice-prefeita, Laís também é coordenadora geral da Coordenadoria Especial de Políticas para as Mulheres e, destaca que foram realizadas ações durante a quarentena para combater o crescente de índice de violência contra a mulher.

“Juntamente com a Prefeitura, que acolheu o nosso pedido, nós fizemos uma campanha de cerca de 20 dias com carro de som passando pelos bairros para fazer um trabalho de conscientização nesta questão. Os números de casos de violência doméstica durante neste período apresentaram aumento de cerca de 50%. Então, nós estamos lutando contra isso e também precisamos do engajamento de todos”.

Durante a campanha, a Coordenadoria divulgou – através de redes sociais e carros de som – os números e canais de atendimento para denúncia de casos de violência contra a mulher, entre eles estão o 180 e o 153, da Guarda Civil Municipal. 

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