Alternativa
Superação diária de Ellen Cumpri contagia e inspira centenas pessoas

A palestrante e influencer digital, Ellen Cumpri, que teve os dois pés e braços amputados em 2021, após complicações renais que resultaram em sepse (inflamação generalizada, ocasionada por uma resposta muito intensa do sistema imune), tem sido exemplo de superação diária em Valinhos. Sempre com sorriso no rosto e demonstrando ser uma mulher forte e de muita fé, Ellen contagia e inspira um número cada vez maior de pessoas.
Com 7.600 seguidores no Instagram (6.600 a mais após as amputações) e 2.800 amigos no Facebook, ela reuniu no último sábado (8), 380 pessoas no evento denominado “Chá da Ellen”, realizado pela segunda vez consecutiva, no Salão da Matriz da Paróquia de Sant’Ana, no bairro Vila Santana.
O objetivo do evento foi finalizar o pagamento da mão mio elétrica, no valor de R$ 105 mil, que Ellen passou a usar e está no processo de adaptação. A primeira parte do montante do equipamento foi custeada com a realização da primeira edição do “Chá da Ellen”, no ano passado.
Em entrevista exclusiva à Folha de Valinhos, a influencer digital conta o que tem vivido desde que teve o diagnóstico de sepse, passando pelo período que esteve na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) em coma e a cirurgia para amputações, até a volta para casa e o processo diário de adaptações e superações. Ela também enfatiza a alegria de receber a solidariedade de centenas de pessoas e de vários profissionais da área de reabilitação.
FOLHA DE VALINHOS Quando e o que causou a necessidade das amputações?
ELLEN CUMPRI Em agosto de 2021 tive cólicas renais no trabalho e fui para o hospital. Fui atendida dentro do protocolo, medicamento para dor e aguardar que o cálculo renal fosse expelido pelo corpo. Porém, voltei algumas horas depois com dores ainda piores. Um novo medicamento foi administrado e voltei para casa. Naquele mesmo dia entrei em um choque séptico, no hospital fiquei na emergência até ser transferida e iniciar o protocolo de sepse. Durante a tomografia foi identificado que o cálculo havia se movimentado e que estava parado no ureter. Isso causou uma pielonefrite (inflamação dos rins causada por bactérias) e levou a sepse.
Quando fui levada ao centro cirúrgico, no momento que fui anestesiada tive uma parada cardiorrespiratória de quatro minutos. Após ser reanimada fui colocada em coma induzido para que me corpo pudesse se estabilizar. Durante cinco dias estava desenganada pelos médicos, que deixavam todos que iam até o hospital entrar na UTI para se despedir. Meus rins pararam e quando iam iniciar a hemodiálise, ele voltou a funcionar.
Um dia antes disso, meu marido, perguntou ao médico o que precisava voltar a funcionar primeiro para que tivesse uma chance de sobreviver, o médico respondeu: os rins. Foi então que o Júnior ficou falando durante a visita, para que eu tomasse consciência dos meus rins. Quando ele saiu da UTI os rins voltaram a funcionar.
A partir desse momento iniciaram o tratamento para tentar reverter a falta de circulação que estava afetando as minhas extremidades e já estava próximo aos cotovelos e joelhos, devido ao uso da noradrenalina (agente vasopressor catecolaminérgico de escolha para o manejo da maioria dos cenários de choque, incluindo o séptico). Conseguiram reverter, porém, algumas áreas necrosaram.
Voltei do coma 15 dias depois, quando iam realizar a traqueostomia. E alguns dias depois fui informada que seria necessário amputar os pés e as mãos. A partir deste anúncio entrei em uma nova etapa de fisioterapias, para recuperar o movimento do corpo que parou durante o coma. Deram início a nutrição do meu corpo para me preparar para realizar as cirurgias das amputações, que aconteceram dia 1 de outubro de 2021.
FV Qual a sensação quando voltou do coma e soube que teria que passar pelas amputações?
ELLEN Eu soube da amputação com os médicos conversando sobre a necrose. Eu pedi para ver e no mesmo instante entendi que a amputação salvaria minha vida. Sabia que não dava para manter os membros como estavam, pois eu podia ir a óbito.
FV Como foi a volta para casa, após a alta da cirurgia das amputações?
ELLEN Voltei para casa no dia 11 de novembro de 2021, quando iniciamos uma nova etapa na vida de toda a minha família. Confesso que o retorno foi assustador, pois eu precisava de cuidados em todos os sentidos e fiquei totalmente dependente. Eu senti muito medo de como seria minha vida sem os membros. No entanto, eu tive muito apoio de todos os familiares. No início tivemos que alugar uma residência maior, com uma casa nos fundos para que minha mãe, Silvana, 58 anos, pudesse morar conosco. Sou muito grata pelo desprendimento dela sair da sua casa, mudar a vida e vir para junto da minha família ajudar a cuidar de mim.
O meu filho, Gabriel, e marido também revezam os períodos da manhã e tarde para me carregar e fazer as transferências de ambientes quando necessário. Ambos tiveram a liberações de seus respectivos patrões para trabalhar home office. Eles me carregavam da cama para a cadeira de banho para que eu pudesse ir até o banheiro ou da cama para o sofá da sala. Minha mãe me trocava, escovava os meus dentes, penteava meus cabelos e me alimentava. No mesmo período minha sogra, Maria de Lourdes, 71 anos, lavava e passava nossas roupas. Neste período de adaptação eu tive que fazer curativos diários por meses, pelo plano de saúde e também passei a realizar fisioterapia três vezes na semana e terapia semanal.
FV Quando as coisas começaram a melhorar na sua nova rotina como amputada?
ELLEN Posso dizer que isso ocorreu, no mês de maio de 2022, quando por meio de vaquinhas e rifas, adquiri minhas próteses dos pés e fui me adaptando a protetização. A partir daí minha vida começou a mudar. Minha mãe voltou para casa dela e nossa família passou a cuidar da casa novamente. Porém, confesso que não foi nada fácil. Afinal era uma nova etapa a ser vivida e um desafio enorme. Eu que não tinha ideia de como seria e fui muito bem acolhida pela Clínica Próteses News.
No início cheguei a pensar que não seria capaz de andar, pois é um processo muito doloroso e foi necessário muita persistência e determinação para aprender e aprimorar a caminhada. No mesmo período ainda iniciei as fisioterapias na Clínica Fernanda Figueiredo, com os profissionais que me acolhem até hoje. Toda semana eles realizam os atendimentos que me capacitam e me fortalecem para enfrentar os desafios diários de ser uma Pessoa com Deficiência. Hoje contamos na família somente com uma pessoa que vai limpar a casa para nós. Isso porque, muitas coisas eu não consigo fazer, como lavar banheiro, cozinhar e limpar o quintal.
FV Além do desafio diário que uma pessoa com deficiência enfrenta, quais fases você define como marcantes em todo seu processo de superação?
ELLEN Me tornar uma Pessoa com Deficiência, abriu meus olhos para um mundo que existe, mas que só enxergamos quando somos inseridos nele. Realmente o que enfrento são desafios diários, direitos violados e lutas para tornar o mundo acessível para todos.
Me recordo que a primeira vez que coloquei as próteses, senti muita dor. E foi aí que entendi o desafio que seria voltar a andar. Mas, como tudo na vida, as dificuldades são fases e processos a serem enfrentados. Agora se tem algo que me dá força é a equipe multidisciplinar que há dois anos me assiste gratuitamente na Clínica Fernanda Figueiredo. No Pilates tenho ajuda no fortalecimento dos membros. Nas aulas de LPF (Low Pressure Fitness), que é um método de exercícios com baixa pressão no abdômen, fortaleço a parte abdominal. Assim, andar se tornou mais leve e a cada dia fica mais natural. A drenagem linfática e semanal também me ajuda bastante, diminuindo os edemas e contribuindo para aliviar as dores. Além disso, a terapia manual e o laser ajudam a manter meu corpo equilibrado para caminhar e reduzem a inflamação inclusive dos cotos das mãos.
Posso afirmar que durante todo o processo de adaptação ao novo modo de vida me tornei muito ativa e estou em constante aprendizado. Por vezes, eu acabo até batendo muito os cotos das mãos, mas aí tento apreender a realizar as atividades de forma mais tranquila, para evitar um ferimento desnecessário.
Com evoluções diárias na reabilitação eu aprendi a escovar meus dentes, pentear os meus cabelos e até lavar a louça. Além disso, passo aspirador na casa, tiro pó das estantes, dobro as roupas. Também separo e coloco na máquina para lavar. Meu marido e eu realizamos a maioria das atividades juntos, mesmo com as minhas limitações, e seguimos sempre nos adaptando.
Agora, tomar banho é uma coisa que ainda não tenho autonomia. Todo dia preciso lavar os cotos e tirar as próteses, assim é meu marido quem dá banho em mim.
FV Quando e como teve a ideia de realizar campanhas para lhe ajudar neste processo de superação? Pode detalhar quais ações já realizou?
ELLEN Tivemos a ideia de iniciar vaquinhas e as outras ações beneficentes quando começamos a realizar os orçamentos e percebemos que os valores das próteses eram altíssimos. Abrimos uma vaquinha virtual, fizemos bazares, rifas e dois chás. Essas ações me ajudaram a comprar as duas pernas, garantem as manutenções que venho realizando e recentemente me permitiu adquirir a mão mio elétrica, que estou em fase de adaptação.
As pessoas são muito solidárias e junto delas estou conseguindo realizar meus sonhos de ter mais autonomia.
FV Tem ideia de quantas pessoas já lhe prestaram de alguma forma solidariedade em todo esse processo de superação a partir das amputações?
ELLEN Eu sou extremamente grata, mas não sou capaz de me mensurar quantas centenas de pessoas já contribuíram, contribuem e ainda vão contribuir comigo. O ser humano é realmente capaz de se doar ao próximo, mesmo sem nunca ter me conhecido. Isso é maravilhoso e fico muito feliz que as pessoas olhem para minha história e sejam solidárias para comigo.
FV O que significa para você receber a solidariedade e carinho de todas essas pessoas?
ELEN Eu sempre me emociono com as pessoas que chegam até mim. Pois, todos têm suas próprias histórias, seus desafios a serem superados, mas quando ouvem falar da minha história ou passam a me conhecer sempre demonstram de pronto solidariedade. Eu me sinto muito amada e grata pela oportunidade de continuar viva e ver como muito são capazes de exalar a sua essência, sendo simplesmente humano.
FV Conte um pouco sobre a realização no seu mais recente evento beneficente realizado no último sábado, dia 8?
ELLEN O “Chá da Ellen” foi uma ideia que surgiu em 2022, por meio do Ministério de Mulheres da Igreja de Sant’Ana, no bairro Vila Santana. O padre Luis Roberto Dilascio havia sugerido um almoço, mas idealizamos um chá beneficente. A primeira edição reuniu 350 pessoas e neste último sábado a segunda edição foi novamente sucesso, totalizando a presença de 380 pessoas. Recebemos muitas doações de comida, prendas, mas principalmente de trabalho voluntário, o que torna tudo possível.
Foi servido suco, chá e água, torradas com patê, salgadinhos e bolo. Tudo isso graças a união das comunidades Divino Espírito Santo, São Judas, Santana, Rosário e São Francisco.
O padre Carlos José Nascimento sempre disponibiliza o salão da Matriz Sant’Ana para o chá, assim como os bazares que realizamos. O primeiro bazar foi promovido pelo Movimento Ouro Rosa e o Mobiliza Amigos, que fizeram também juntamente com o Diego Ricardo da academia PeD uma manhã de fitdance para arrecadação.
FV Para finalizar qual a receita para encarar tantos desafios e limitações sempre com seu sorriso no rosto?
ELLEN A receita para seguir em frente é a fé. Praticar a fé deve ser um exercício diário, assim como realizamos atividades para o corpo. Eu mantenho minha fé em dia, buscando a Deus por meio das minhas orações diárias, participando ativamente da comunidade e indo às missas.
Estudo muito para poder contribuir de alguma forma com tantas pessoas que me ajudaram e trazer informações sobre os mais diversos assuntos.
Falo sobre sepse e mostro minha rotina e superações diárias com leveza e alegria nas minhas redes sociais. Compartilho inclusive dúvidas dos meus seguidores e apoio às pessoas que estão no início da protetização. Amo conversar com as pessoas, ter a oportunidade de conhecer muitas histórias e trocar experiências e vivências.


