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Roseline D’Avila: O legado da bibliotecária de Valinhos

A Câmara Municipal de Valinhos realizou, na última quinta-feira, dia 21, uma emocionante cerimônia para homenagear Roseline D’Avila com o título de Cidadã Honorária, a maior honraria concedida pela cidade. Aos 81 anos, Roseline é reconhecida como a primeira bibliotecária do município e uma das principais responsáveis por moldar a cultura literária local.
Em uma entrevista exclusiva à Folha de Valinhos, a homenageada relembrou sua jornada de 37 anos à frente da Biblioteca Municipal. Ela compartilhou os desafios de uma época sem internet e computadores, onde foi a responsável por catalogar e organizar o acervo para a população. Com toda a certeza, sua paixão pelos livros e a dedicação à educação transformaram o local em um refúgio para milhares de estudantes. A cerimônia na Câmara, por fim, marcou o reconhecimento oficial de sua trajetória e do impacto positivo que ela deixou na história cultural de Valinhos.
FOLHA DE VALINHOS A senhora está sendo homenageada com o Título de Cidadã Honorária, a maior honraria da cidade. O que significa, para a senhora, receber esse reconhecimento após tantos anos de dedicação à Biblioteca Municipal?
ROSE Jamais pensei trabalhar em Valinhos ou ainda morar nesta cidade. Mas o destino me trouxe a esta querida cidade que foi o meu “Porto Seguro”. Aqui me casei com o Fernando, tivemos dois filhos maravilhosos, família, amigos e durante 37 anos trabalhei com todo o meu afinco e dedicação para a formação de crianças e adolescentes. Foram certamente milhares que passaram pelas minhas mãos através da Biblioteca Pública Municipal Dr. Mário Correa Louzada.
FV A senhora foi a primeira bibliotecária de Valinhos em uma época em que não havia internet. Como era o trabalho de pesquisa e empréstimo de livros naquela época, e qual era a sua rotina para atender a população, especialmente os estudantes?
ROSE Na época não havia computadores e muito menos internet. Abrir um livro e folhear suas páginas era uma viagem maravilhosa. O trabalho era intenso uma vez que todos os livros eram catalogados para serem colocados nas estantes. Cada livro tinha o seu lugar e os alunos realizavam pesquisas e trabalho escolar, especialmente nas enciclopédias. Criamos também as carteirinha e o empréstimo domiciliar 10 dias para livros contos e romances e 15 dias para livros didáticos, com possibilidade de renovação. Caneta era proibida na Biblioteca, apenas lápis preto.
FV Conta a história que a inauguração da Biblioteca aconteceu de forma improvisada, com estantes emprestadas. Poderia nos contar um pouco sobre o desafio de montar a biblioteca do zero e como a senhora conseguiu superar essas dificuldades?
ROSE A Biblioteca foi inaugurada por ocasião da Festa do Figo pelo prefeito Luiz Bissoto em 17 de janeiro de 1971 e ficava em cima dos Correios. Como o tempo era exíguo conseguimos emprestar as estantes da Escola de Cade tes do Exercito para a inauguração.
FV A Biblioteca Municipal foi nomeada em homenagem ao Dr. Mário Correa Lousada, idealizador do projeto. A senhora teve a oportunidade de trabalhar com ele ou conhecer sua visão para a biblioteca? Como o legado dele influenciou o seu trabalho?
ROSE Dr. Mário Louzada liderava a comissão de Literatura e Biblioteca criada no final do governo do prefeito Vicente Marchiori e tendo como membros Dunga Santos, Alcides Acosta, Ademir Fazani, Amélio Borin, Telmo Marchiori, dona Zélia Louzada e José Bertarello. Com a morte do dr. Mário esta comissão resolveu homenagea-lo com a sua denominação, uma enorme conquista, uma vez que Valinhos não contava com uma biblioteca.
FV A campanha para a criação da biblioteca mobilizou a sociedade valinhense. Como a senhora percebia esse engajamento da comunidade e a importância da imprensa local, como a Folha de Valinhos, nesse processo?
ROSE A Folha de Valinhos, único semanário da época, através do jornalista Aparecido Portela, teve um papel primordial na divulgação da Biblioteca com várias reportagens , mobilizando as empresas na doação de recursos para a compra de livros e enciclopédias. Antes da inauguração este semanário publicava em destaque “Industrias doam 8 mil cruzeiros para a Biblioteca Pública”.
FV A senhora foi responsável pelos grandes concursos de prosa e poesia que revelaram talentos literários na cidade. Como esses eventos surgiram e qual era o impacto deles na vida cultural de Valinhos?
ROSE Na realidade foi o prof. Antonio Stopiglia que teve a idéia do concurso de Prosa, Poesia e Desenho da Capa e que com a participação das Escolas e toda a equipe da Biblioteca houve uma mobilização geral com enorme sucesso. Foram 12 anos com a publicação de livros em 10 edições, dentro das comemorações da Semana Nacional do Livro e da Biblioteca. Uma equipe de professores liderada pelo professor Muller julgava os trabalhos, livros impressos e a Noite de Autógrafo era especial
FV A biblioteca já funcionou em diferentes locais. Qual a sua lembrança mais marcante de cada um desses espaços e como a mudança de endereço afetou a experiência dos leitores e a dinâmica da biblioteca?
ROSE O primeiro local no Largo São Sebastião foi marcante pela sua referência. Mas a ida em 2001 para a Rua Itália para o antigo prédio da Casa da Cultura foi especial. Local amplo. Com várias salas, inclusive a criação da Biblioteca Infantil com um acervo de 17 mil livros, 600 vídeos, hemeroteca com as inúmeras pastas de recortes de jornais e um atendimentos de até 250 usuários diariamente, principalmente jovens estudantes.
FV Qual era a maior dificuldade em formar e manter um acervo relevante para a comunidade, e como a senhora trabalhava para resolver essa questão?
ROSE Como Bibliotecária precisava ficar muito atenta aos novos lançamentos de livros, revistas e jornais. Apesar da verba ser escassa, bem pouca, procurávamos comprar obras atuais já que a busca era intensa pelos usuários ávidos por leitura e pesquisa de trabalhos escolares.
FV A Biblioteca de Valinhos completa 55 anos no dia 16 de janeiro. Qual a sua principal lembrança sobre o aniversário da biblioteca e o que essa data significa para a senhora?
ROSE São muitas lembranças ao longo dos 37 anos à frente da Biblioteca como a presença do internacional Flávio de Carvalho no prédio do Largo São Sebastião, do Palhaço Arrelia, a parceria com a Secretaria de Cultura e Turismo para a escolha do Concurso do Hino Oficial de Valinhos, além da implantação da Hora do Conto, e tantos outros inúmeros eventos. Vale salientar que as primeiras reuniões da Nova Escola, hoje Colégio Inovati aconteceram na Biblioteca e fomos nós, Pedro Celso Alves e eu que pedimos o terreno onde está a escola para a querida e saudosa Heloisa de Carvalho.
FV A senhora acompanhou a evolução da biblioteca por décadas. Na sua visão, quais foram as mudanças mais significativas ao longo dos anos e como a biblioteca se adaptou à chegada da tecnologia e da internet?
ROSE Quando me aposentei foi a época que chegaram os primeiros computadores. Assim foi muito pequena a minha participação nessas novas tecnologias. Minha grande companheira foi a boa e velha máquina de escrever. Muitos afirmaram que a chegada da era digital iria acabar com os livros impressos. Apesar da diminuição considerável do prelo, o livro impresso é maravilhoso, folhear suas páginas, sentir o cheiro do livro novo e percorrer as estantes das bibliotecas e até mesmo bons sebos, só nos deu grandes alegrias.
FV Qual a mensagem mais importante que a senhora gostaria de deixar para os jovens de hoje, que têm acesso a um universo de informações digitais, sobre a importância da leitura e do livro físico?
ROSE Antes de encerrar quero agradecer aos vários funcionários e patrulheiros que passaram ao longo dos anos pela Biblioteca Pública Municipal Dr. Mário Correa Louzada. Não vou citar nomes, pois certamente irei esquecer de alguns, mas tenham certeza uma equipe maravilhosa ao logo dos anos nos acompanhou.
O mundo passou por inúmeras transformações, especialmente na era digital, mas somente a educação transforma as pessoas e diminui as desigualdades sociais. “A leitura é para o intelecto o que o exercício é para o corpo“ Josep Addison.


