Alternativa
Quando o Estado falha, a guerra se instala

Coluna Momentos
por Rui Mendes Faria
Um dia depois da tragédia, conversei com meus familiares que moram ao lado do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. A voz deles tremia ao telefone. Ouvi o medo, a dor e o cansaço nas palavras. Contaram que a madrugada anterior foi marcada por tiros, helicópteros sobrevoando e sirenes que não paravam. Disseram que parecia uma guerra — e de fato, era.
Na terça-feira, 28 de outubro de 2025, o Rio de Janeiro viveu um dos dias mais sangrentos de sua história recente. Uma grande operação policial deixou pelo menos 64 mortos, entre eles quatro policiais, e 81 presos, segundo as autoridades. Foi considerada a maior operação policial da história do estado, reunindo mais de 2.500 agentes das forças de segurança. Armas pesadas, fuzis, granadas e veículos blindados invadiram as comunidades do Alemão e da Penha, transformando vielas em verdadeiros campos de batalha.
Mas o problema não é apenas o Rio.
Estamos diante do retrato do Brasil real — um país que, em muitos lugares, perdeu o controle sobre o próprio território. Quando o Estado não está presente com educação, saúde, dignidade e justiça, um outro “governo” nasce paralelamente: o do crime, das facções e das milícias. Onde a justiça falha, o medo reina. E o resultado é esse — uma guerra não declarada, travada nas esquinas, nas vielas, nas escolas e até dentro dos lares.
Eu sei o que é viver dentro dessa realidade.
Nasci no Complexo do Alemão e saí de lá em 1974, ainda muito jovem. Vi de perto o sistema tentando me moldar, empurrando meninos como eu para caminhos de perdição. Mas eu não aceitei. Lutei contra a pobreza, contra a violência e contra a indiferença. Deus me deu a oportunidade de escolher outro caminho — e eu o abracei. Hoje, quando olho para trás, vejo quantos não tiveram a mesma chance e quantos pagam com a vida por um sistema que falhou em lhes dar futuro.
O que aconteceu no dia 28 de outubro não é um caso isolado.
É o reflexo de uma guerra civil silenciosa que se repete em São Paulo, Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte e tantos outros estados. Também em países como os Estados Unidos, onde cidades inteiras estão empesteadas pela criminalidade. Essa guerra não se declara oficialmente, mas é travada todos os dias — entre policiais e criminosos, entre inocentes e o medo, entre o certo e o errado.
Famílias choram.
Esposas de policiais choram seus maridos.
Pais e mães choram seus filhos.
E muitas dessas lágrimas caem em silêncio, enquanto a sociedade se acostuma a conviver com o caos.
Se nada for feito, com toda certeza, isso vai acontecer novamente.
Estamos colhendo os frutos amargos de um sistema que abandonou os mais vulneráveis. A falta de oportunidades, a corrupção, a impunidade e o descaso social alimentam a violência todos os dias.
O Brasil precisa de um governo forte, justo e humano.
Precisa de líderes que amem o povo mais do que o poder.
Precisa de igrejas e comunidades que levantem a voz em favor da vida.
E precisa, sobretudo, de Deus, porque sem Ele não há restauração possível.
Enquanto escrevo, ainda ouço o eco do que minha família me disse:
“Aqui parece que a guerra nunca acaba.”
E talvez não acabe mesmo — se nós, como sociedade, não tivermos coragem de lutar, não com armas, mas com justiça, fé e amor ao próximo.
Que o Senhor console os que perderam seus entes queridos e desperte um novo tempo sobre o nosso Brasil.


